IX - Sonho

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      O som do fuzil de Dara sendo descarregado contra as criaturas demoníacas preenchia o ambiente, os restos de cérebro e massa encefálica dos seres voavam para as calçadas e paredes, manchando tudo com um marrom podrido.

  O odor era insuportável, nem mesmo a máscara de gás que a mulher usava era suficiente para tornar ar menos sufocante. Dara estava agachada em cima de um tanque militar tombado, à sua volta vários zumbis grunhiam furiosamente enquanto tentavam alcançá-la a todo custo.

  Tudo bem, ela sabia que era parte do plano, mas realmente era necessário tudo isso? Não teria sido mais fácil apenas tentar passar sem chamar atenção ao invés de montar um plano que ficava na linha tênue entre insano e suicida? Não sabia, e não teria uma reposta.

  Uma explosão vinda de suas costas roubou lhe a atenção, imediatamente se levantou e, estendendo a mão para o alto, mostrou o dedo do meio à todas as criaturas que estavam amontoadas em volta do tanque. Sigilos dourados surgiram em volta da acastanhada e, num piscar de olhos, a mulher sumiu em pleno ar.

  Dara surgiu dentro do shopping abandonado que ficava à dois quarteirões de onde originalmente estava, abaixo de seus pés um enorme símbolo estava rabiscado no chão.

— Falei que dessa vez daria certo! — Guizo comemorou filmando Dara, que o olhou indignada.

— Tinha chance de dar errado? — Perguntou assustada.

— Não, era só brincadeira. — Sorriu para a mulher e então parou de filmar.

  Dara balançou negativamente a cabeça, olhando em volta logo em seguida. Xande passava de skate por entre as prateleiras de uma das lojas daquele piso, em suas mãos um pacote de doce. Lírio se aproximava de si, carregando consigo uma caixa com alguns bombons e oferecendo à ela, ao mesmo tempo as luzes do lugar se acenderam e, pela ausência de Chico, julgou ter sido o baixinho quem concertou a eletricidade do local.

  Guizo se afastou dos demais para procurar por Xande que àquela altura já havia sumido da vista de todos. Apesar do evidente fim do mundo a rotina do grupo parecia ser quase a mesma, suas vidas eram caóticas desde sempre, o mundo colapsar era mais como se estivesse se adaptando à eles.

  O falso ruivo caminhou pelo lugar vasculhando as lojas com o olhar, parando em frente à uma que tinha alguns equipamentos para esportes, presumiu que Xande estaria ali, mas não pelo conteúdo e sim porque o skate do garoto estava na porta do lugar.

  Adentrando a loja, Xande estava olhando alguns adesivos para skate, os temas eram variados, aliens, punk, rock, demônios e de tudo um pouco. Guizo notou que o outro usava fones de ouvido então provavelmente não tinha o ouvido chegar, assim pegou uma bola de basquete da prateleira ao seu lado e jogou no outro, acertando o centro de suas costas, por sorte tinha jogado com pouca força.

  Xande virou-se assustado, se tranquilizando ao ver o outro, mas olhando de forma reprovadora para o mesmo. Ainda assim, o garoto nada disse, apenas voltou a explorar os adesivos.

— Amigo? — Xande fechou ainda mais sua expressão, um xingamento seria melhor do que ser chamado de "amigo" mais uma vez.

— O que foi?

— Nada, só queria conversar. — Encostou-se na prateleira ao lado do loiro.

— ... — Virou-se para o outro — Sobre?

— Acho que tô gostando de alguém. — Disse calmo.

— No meio do apocalipse você quer falar de amor?

— Na verdade estamos no início dele, mas não vem ao caso de qualquer jeito.

— Continua. — Deu as costas, mas ainda prestava atenção.

— Eu quero falar com a pessoa, mas também não sei como fazer isso e mesmo se soubesse não adiantaria já que eu nunca beijei ninguém.

— Dependendo da pessoa ela pode não se importar com isso, se ela realmente gostar de você, é claro.

— Não entendo nada sobre isso.

— Eu menos ainda. Mas, quem é a pessoa?

— Você...

  Xande parou, estático, e antes que pudesse tentar fazer ou falar qualquer coisa foi acordado por Chico, que avisava que já tinham chegado na pizzaria à  um tempo e a pizza estava na mesa. Xande levantou triste, olhando para Chico com um rosto de cachorro que caiu da mudança.

— Você 'tá legal? — Chico perguntou.

— Eu 'tava tendo um sonho tão bom.

— Como era?

— Um apocalipse zumbi, e a gente tinha invadido um shopping.

— Xande... eu não acho que isso seja um sonho bom, mas enfim, a Mandy 'tá lá cantando o Guizo, quer mesmo ficar aqui lamentando seu sonho "bom"?

  Chico nem terminou a frase corretamente e Xande já estava de pé, quase caiu por sua pressão ter baixado dada a velocidade que se levantou, mas logo recuperou o equilíbrio e caminhou rapidamente com o baixinho de volta para a pizzaria.

Interferência - SDOLOnde histórias criam vida. Descubra agora