II - O Ponto

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— Xande?

— É meu nome.

— Não, seu nome é Alexandre, mas isso não é o ponto.

— Claro que não é um ponto, é uma palavra.

— Xande, seu porra! O que você colocou na comida do Guizo?

— Dara, eu não fiz comida hoje.

— Não mente pra mim Alexandre, o que você colocou na comida?

— Por que você não acredita em mim?

— O Guizo tá a mais de 2 horas no banheiro.

— Sério? — O loiro não conseguiu segurar o sorriso arteiro que tomou seu rosto.

— Isso é sério.

— Ele vai ficar bem, vamo' lá falar com ele.

— No banheiro...?

— Na cozinha é que não é.

— Você vai entrar no banheiro com o Guizo?

— Não, eu vou entrar sozinho, ele já 'tá lá dentro.

— Não é esse o ponto.

— É um banheiro, Dara, você tem que parar de achar que tudo é um ponto.

  Dara puxou Xande pela camisa e o arrastou de volta para a sala.

— É um banheiro, privacidade acima de tudo, não vamos entrar lá e nem falar com ele.

— Dara! Preciso de você! — Chico gritou do segundo andar.

— Aguenta aí! Lírio!

— Eu? — Dara se virou assutada, não havia notado que o amigo estava ali no mesmo cômodo, ele parecia estar lendo um livro qualquer e isso contribuiu para a surpresa da mulher.

— Pode ficar de olho no Xande? Não deixa ele ir para o banheiro.

— Tudo bem... — Aceitou mesmo ficando confuso com o pedido.

  Lírio fechou o livro e começou a encarar Xande que o encarou de volta. Dara se afastou lentamente assistindo os dois, não questionaria os métodos do outro, contanto que mantivesse o skatista longe do banheiro não se importava.

— Certo... — Sussurrou, se virando e indo para as escadas.

  Lírio ouviu os passos da mulher se afastando e então abriu novamente seu livro, deixando de encarar Xande.

— Eu sei o que você fez. — Disse sem parar de olhar para o livro.

— Sabe?

— Sim.

— Eu não sabia que ele ia ficar tão mal assim.

— Acontece, skatista, fica tranquilo.

— Ele vai ficar bravo comigo?

— Você arrombou ele e não foi de uma maneira favorável, o que acha?

  Apesar de sentir a consciência pesada, Xande não conseguia evitar a risada toda vez que pensava na situação com mais cuidado.

— 'Tá lendo o quê? — Se levantou do sofá, indo até Lírio.

— "Como construir uma relação." — Leu com um pouco de dificuldade.

— Funciona?

— Não testei ainda.

  Xande sentou-se ao lado de Lírio e começou a também ler o livro, não viram os minutos passarem assim como não viram quando Guizo saiu do banheiro, foi até a cozinha, pegou uma frigideira e parou atrás deles.

  O falso ruivo ia bater na cabeça de Xande com o objeto quando ele percebeu pela sombra e se abaixou, e Lírio,  que estava concentrado no livro, não teve tempo de reação.

  O som metálico foi ouvido até no segundo andar da casa, mas por estarem ouvindo as gravações de Morato, Chico e Dara não deram muita atenção.

— O que você 'tá fazendo? — Xande perguntou se afastando.

— Ainda não fiz direito. — Guizo novamente tentou acertar Xande com a frigideira, mas foi impedido por Lírio que segurou o braço do rapaz.

— Deixa que eu faço. — Disse usando a mão livre para puxar o cabo da marreta que estava encostada na mesa.

—  Chico! — Guizo gritou imediatamente, ouvindo os passos apresados do baixinho logo em seguida.

— Lírio, que porra é essa? — Perguntou sem nem mesmo descer completamente as escadas.

— O Guizo quer bater na gente com aquilo. — Xande falou aprontando para a frigideira na mão do outro.

— É sério isso? Uma missão ferrada aqui pra gente e vocês estão brincando?

— Ele me bateu com a frigideira.

— Você sabe que eles são assim, larga ele e a marreta também.

— Desculpa... — Largou ambas as coisas, pegando seu livro do chão e voltando a ler em silêncio, mas desta vez distante de Xande e de Guizo.

  Chico virou as costas e novamente voltou para sua sala de investigações.

— Viu o que você fez? — Xande sussurrou para Guizo.

— O que "eu fiz"?! Vai a merda Alexandre.

— Você fez o Chico brigar com o Lírio, o ponto é esse.

— Você nem sabe o que essa expressão quer dizer.

— Claro que sei.

— Então explica.

— Já falei que esse não é o ponto, você é muito insistente e insensível.

— Você colocou laxante na minha comida e eu que sou insensível?

— Guizo não é o momento.

— Claro que não, nunca é. — Jogou a frigideira na mesa e subiu as escadas

— ... — Olhou confuso para Lírio que procurava algo no sumário do livro.

— Aqui. — Lírio mostrou o capítulo que estava procurando, chamado "O que fazer quando não sou o culpado?" E logo abaixo "O que fazer quando sou o culpado involuntariamente".

— ...

  Xande se sentou ao seu lado novamente, lendo atentamente o livro e considerando exigir a Morato que pagasse uma terapia de casal ou apenas uma terapia comum para o grupo todo.

Interferência - SDOLOnde histórias criam vida. Descubra agora