1: A Segunda Feira Que Não Foi Chata

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            − Quanto é duas vezes sete? – enquanto todos faziam contas disfarçadamente, eu levantei a mão o mais alto que pude, querendo ser vista. A professora me ignorou e apontou pra um colega qualquer. Ele disse, atrapalhado, dez. Burro! É catorze.

            − Catorze, professora! – eu gritei, ela me ignorou. E então, todos começaram a rir de mim.

 E então, tudo girou.

Girou em cores berrantes, numa sopa enjoativa, minha cabeça girando junto, meu despertador lambendo minha cara...

Perái! Despertador lambendo minha cara?

Abri meus olhos verde-folha, encontrando Despertador, meu cachorro vira-lata de pêlo preto com manchas brancas ao redor dos olhos, lambendo minha bochecha. Ele tinha o tamanho aproximado de um São Bernardo, mas um corpo delgado e fino, com orelhas de pastor alemão, e estava deitado ao meu lado na cama. Eu o chamava de Despertador porque era isso que ele era. Ele sabia a hora exata em que eu devia acordar. Sorri para ele, afagando atrás de sua orelha. Olhei para a porta que dava pra varanda, aberta como sempre.

E então, a realidade me atingiu.

Era segunda-feira! NÃO! O QUE EU FIZ PRA MERECER ISSO?! Fim de semana é tão bom...

Levantei num salto olhando a hora no meu celular, respirando aliviada. Era cedo ainda, eu tinha muitas horas para me arrumar e tomar café antes de ir para o colégio. Tudo muito normal, a não ser que sou uma aberração, até mesmo para meus pais.

Sim, vocês não leram errado. Chamem-me Freak, Aberração, não importa, é o que eu sou. Apenas Despertador e minha vó não me consideram uma aberração.

Bem, em mim, apenas meus olhos verde-folha são normais. Meus cabelos são crespos e apontam para todos os lados, nem o milagre da chapinha doma minha juba vermelha com mechas que oscilam do laranja-escuro para o ruivo, naturalmente. É algo surreal o meu cabelo. Aberração versus normal: um à um. Minha pele é de um tom de oliva claro, quase branco, com algumas manchas mais escuras, completamente aberração. Dois à um. Sou alta demais, um falso porte de modelo, porque sou mais atrapalhada que sabe-se lá Deus o quê. Três à um. Minha boca normalmente é vermelho-vivo, mas tende a ficar próxima do preto quando meu humor muda drasticamente. Quatro à um. Ok, vocês não precisam de mais provas de que sou uma aberração. Mas aliem à isso eu ter um corpo de criança em alguém que, de acordo com calendários e afins, tem quinze anos. Definitivamente, aberração é algo que me descreve bem.

Calmamente, tomei um banho e vesti uma calça jeans preta, coturnos bege e uma camisa-túnica branca com uma discreta rosa aqui ou ali. Eu sei, eu tenho um senso de moda MUITO estranho, isso só aumenta minha bizarrice.

Fui para a varanda, Despertador me seguindo, feliz da vida. Coloquei comida em uma tigela e água fresca em outra. Sorri para meu cachorro grande e magro, que lambeu minha mão em agradecimento, começando a comer.

Voltei para meu quarto, arrumando minha mochila, verificando que eu ainda tinha mais ou menos quatro horas antes do sinal do colégio tocar e as aulas começarem. Enquanto saía do quarto, peguei meus enormes brincos cor de palha na cômoda do meu quarto. Minha mãe os odiava, mas eu amava. Era a única recordação da minha vó, Eurídice, nos tempos de aulas, o único humano no mundo para o qual eu não era uma aberração, e que me ama como Despertador me ama. Ela é meio estranha, mas não uma aberração ou bizarra. Ela é a mulher mais linda que eu conheço, aparentando ser bem mais nova do que é. O seu cabelo forma cachos perfeitos, da mesma coloração do meu estranho cabelo, inclusive as mechas de cores oscilantes, mas não estranho, bonito, isso sim. Os mesmos olhos verde-folha, a pele com um tom mais uniforme que o meu, mas o mesmo tom, sem as manchas. Lábios sempre vermelho-vivo. Um corpo invejável. E se vestia com maestria.

Teorias de Conspiração - O Sangue dos Antigos IOnde histórias criam vida. Descubra agora