9: Falsa

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Minha mente estava nublada, cheia de sonhos, pesadelos e pensamentos enevoados.

Eu não distinguia nada muito bem. Mapas, cidades distantes e antigas que eu não vira em lugar nenhum, pessoas que não eram pessoas, monstros dos confins da terra, tudo isso e muito mais passava diante de meus olhos, através da névoa espessa que não me deixava ver direito.

E então, formando-se na névoa, de frente para mim, uma moça, com um sorriso doce nos lábios que pareciam brilhar em tons de verde e cinza. Seus olhos eram bicolores, um verde-folha como o meu, o outro cinza-concreto. Os cabelos revoltos eram longos e cacheados, uma parte da cor dos meus, e a outra parte, cinza-chumbo. Sua pele parecia ser feita de porcelana tingida da cor das árvores que eu amava.

− Você me honra, filha minha. – ela sussurrou, como o vento por entre as folhas de uma árvore frondosa.

E então, ela voltou a se transformar em névoa, e eu comecei a cair rumo ao infinito até que senti calor, tanto calor que a névoa que ainda me rodeava se transformou em água e empapou minhas roupas e cabelos.

Um jato de fogo veio em minha direção. E então, acordei.

 

Mesmo acordada, eu sentia meu corpo quente, suado. Era como se eu estivesse em uma fornalha.

Alguém – algo – tocou meu ombro. Ao invés de abrir os olhos, fiz o que qualquer garota normal faria: gritei, com toda a força dos meus pulmões.

− Calma, Stacy, calma! Sou eu! – Ouvi Devon falar depois de um estrondo, indicando que ele devia ter caído quando o assustei com meu grito, enquanto ele voltava a segurar meus ombros.

Abri os olhos, a vista ainda enevoada, e vi o rosto de meu irmão, preocupado e com olheiras profundas, o rosto pálido – algo muito estranho, afinal, eu estava acostumada com seu tom moreno de sol – e o cabelo desgrenhado. Não liguei para como me sentia e nem para as dores que assolavam minhas costas, simplesmente o abracei pelo pescoço com todas as minhas forças e comecei a chorar – não sei por que, talvez efeito retardado por ter enfrentado um demônio.

− Calma, LeavesEyes... Já passou... – Ele murmurou ao meu ouvido, me fazendo voltar a deitar, soltar seu pescoço e, então, me cobriu com o edredom. Segurou uma de minhas mãos, enquanto afagava meu cabelo úmido de suor. De repente, soltou minha mão e encostou alguma coisa nos meus lábios, e eu definitivamente não gostei do cheiro.

− Que que é isso? – murmurei de um jeito patético. A voz quase não saiu. Sede. Tenho muita sede.

− Não vai querer saber o nome... Mas beba, vai te ajudar a se recuperar. – ele murmurou, e juro que ele não queria me dar aquilo, mas dava porque tinha que dar. Fiz uma careta, torci o nariz, prendi a respiração e sinalizei para ele virar o vidrinho.

Nunca provei algo tão... Horrível. Parecia uma mistura de erva-doce com alguma coisa extremamente amarga como pepino. E o amargo estava em maior quantidade, para minha infelicidade.

Depois que engoli aquele treco, Devon continuou a afagar minha cabeça, voltou a segurar a minha mão e começou a cantarolar Meadows of Heaven, do Nightwish.

Lembrei-me de quando era pequena, depois que vovó veio para Vitória e nós ficamos em São Paulo. Quando tinha pesadelos, ao invés de ir pro quarto dos meus pais como as outras crianças, eu ia pro quarto de Devon. Ele é só dois anos mais velho que eu, mas aceitava tranquilamente que eu o acordasse. Me fazia deitar com ele, ficava acariciando meu cabelo e cantarolava uma música qualquer, até eu dormir. E, como naquela época, eu dormi.

Teorias de Conspiração - O Sangue dos Antigos IOnde histórias criam vida. Descubra agora