Fiquei por dois dias entre os Botos, mais meditando para ver se alcançava o Nirvana – mais pra ver se esquecia aquele monte de homem lindo ao meu redor do que por questões espirituais – do que praticando os feitiços de transformação em animais que Cairu tentava me ensinar. Pelo que entendi, os Botos podem se transformar em qualquer animal. Mas, preferem o boto cor-de-rosa, porque é mais fácil de ir até as cidades à beira do rio e conquistar jovens humanas de sangue puro e levá-las até suas tribos sem deixarem rastro, e acabou pegando o nome Boto Cor-de-rosa – bem, ao menos aqui no Brasil. Nenhuma mulher é obrigada a ficar. Pode ir embora quando quiser. Mas que mulher vai querer ir embora com tanto homem lindo ao redor, tratando-a como se fosse uma rainha?
Aliás, eles não são nativos daqui. Parece que os primeiros vieram lá das bandas de Israel – eles são nômades e lá eram chamados Mazikeen –, e passaram por vários lugares. Em cada lugar, eles ganhavam um nome diferente. E também tinham uma forma diferente. Mas sempre os mesmos olhos.
No segundo dia, perguntei sobre a existência de mulheres-boto. Cairu suspirou de um jeito entediado antes de me explicar.
− Houve um tempo em que houveram sim as mulheres que podiam se transformar em animais. Eram poucas, e eram belíssimas. Ocorriam guerras entre nós pelo direito de se casar com uma delas, isso supondo que ela escolhesse o vencedor. Um dia, enquanto estávamos na região hoje chamada França e nos chamavam Lutin, cansadas de viverem cercadas por guerras, elas se reuniram, pegaram as meninas pequenas e partiram para ninguém sabe onde. – ele deitou na grama e ficou brincando com um besouro que tinha pousado em sua mão. – Os humanos ainda não tinham descoberto as Américas, por isso achamos que elas estariam por aqui. Viemos, mas não encontramos nada. Procuramos muito, até que cansamos e decidimos viver por aqui mesmo; nos misturamos com os outros índios, e o que você vê hoje é o que sobrou de nós. Talvez tenha alguma outra tribo no mais profundo da floresta ou em outro lugar do mundo, mas não mantemos contato.
− E essa de raptar mulheres? – perguntei com bom humor, indicando que eu não os condenava, estava apenas curiosa.
− No começo, raptávamos qualquer humana bela que andava muito distraída, mas as crianças que tínhamos com elas não sobreviviam. Começamos a entrar em desespero conforme os mais velhos iam morrendo e não havia jovens para tomarem seu lugar, mesmo que nós vivamos muito mais tempo que os humanos. Houve casamentos com outras raças, mas acontecia a mesma coisa: ou ocorria um aborto espontâneo, ou a criança não passava do sexto mês de vida. – ele deu uma pausa e voltou a sentar. – Até que Anastásia chegou, muito tempo antes dos colonos. Ela era tão bonita... Sorria como a Lua refletida no rio, e os olhos brilhavam como folhas iluminadas pelo Sol... E tinha tanta bondade em seu coração... Ela nos ajudou. Suas visões lhe disseram que devíamos nos casar com mulheres completamente humanas, e sem forçá-las. E, por alguma razão que não entendemos, os meninos nascem completamente Botos, e as meninas, completamente humanas... – percebi que, ao falar de Anastásia, seus olhos brilhavam de lágrimas que lutavam para cair, mas que ele não deixou.
Eu sentia como se alguém me pressionasse a falar de minhas visões. Eu não queria, mas quando percebi, já desatara a falar.
− Eu tive visões suas e de Anastásia. Vocês lutavam contra vários seres de nosso mundo. E eu percebi os olhares que vocês trocavam... – dei uma pausa, e percebi que ele me olhava com certo assombro. – Vocês se amavam, não é? – aquilo soou mais como uma afirmação do que como uma pergunta, e quando percebi, Cairu já chorava e eu abraçara seus ombros, seguindo meus instintos de Fada, enquanto ele murmurava claramente em meio às lágrimas.
− Mesmo com o que ela falara, eu queria me casar com ela. Queria viver ao seu lado. Mas ela disse que não seria possível com a missão que ela tinha pela frente. Então, eu me juntei a ela e a ajudei em sua missão... Mas no final... Ela ainda morreu. Ela sabia que morreria no fim daquela missão, pois nenhuma das outras que nascera para ajudá-la conseguira sobreviver até o momento de se unirem... E ela precisou dar todo o seu sangue para impedi-lo... Eu ofereci o meu sangue, mas ela recusou. Disse que eu devia voltar e guiar os meus... Ela usou magia para me convencer disso... E quanto o feitiço deixou de ter controle sobre mim, já era tarde... Ela já tinha partido... – aquilo era mais do que eu esperava. Muito mais.
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Teorias de Conspiração - O Sangue dos Antigos I
FantasíaMinha vida era comum, na medida do possível em que se é comum sendo a garota mais estranha que você puder imaginar, e ainda assim você não chegará à mim. As coisas começaram a entornar quando Sammuel, um cara com pinta de Taylor Lautner, apareceu na...