36: Herança

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Não tinha ideia do que estava acontecendo comigo.

Depois que matei Adriane com minhas próprias mãos, que a soquei até ficar irreconhecível e que me encontraram, Rashne me trouxe para a chácara onde eu acordara.

Mas eu não me sentia bem.

Meu estômago estava cheio de borboletas idiotas, e teias negras e brilhantes faziam questão de girar diante de meus olhos. Uma dor de cabeça desgraçada me atacava de todos os lados e meus braços doíam miseravelmente – principalmente as mãos, feridas pelos socos e pela maldita lei de Newton que diz que toda ação gera uma reação. E minhas asas. Doíam tanto que tive a impressão de que tinha machucado-as. Acho que estava tão mal por causa do sangue que bebera... Mas vai saber...

E quando chegamos, Rashne me levou para o quarto onde eu tinha acordado. Me fez sentar na cama – e eu não sentei, despenquei, louca pra me deitar e descansar – e me buscou um espelho. E me fez olhar para ele.

E me assustei com o que vi.

Meus olhos tinham vestígios de azul-elétrico. Minha boca e meu queixo estavam cheios de sangue-seco: sangue do meu namorado e que eu sugara. Que eu gostara. Mas agora aquilo fazia eu me sentir o ser mais terrível do mundo. Mamãe chegou a se sentir assim por beber do meu sangue?

Meu vestido, presente das Aranhas Lunares e feito com seus cabelos, estava todo rasgado e sujo. Completamente sem recuperação.

Não sei como, mas eu estava cheia de arranhões e ferimentos e hematomas. E eu fora atingida poucas vezes. Estava quase como na visão que eu dizia “Tudo culpa sua”. Os arranhões em meus braços e em meu rosto eram como se alguém tivesse tentado me afastar, se defender da minha fúria. Adriane resistira? Eu não me lembrava. Só lembrava da sensação de seu rosto contra meus punhos, repetidas vezes, e do quanto eu gostara daquela sensação. Não senti dor ou o que quer que fosse por ela me golpear, tentando salvar a própria vida.

Mas o que me fez entrar em prantos e abaixar a cabeça até esconder o rosto na saia do vestido foi ver minhas asas.

Estavam destroçadas. Em farrapos. Feridas. Cheias de sangue coagulado.

Como?

Eu cuidei para que ninguém as tocasse, porque Galagöa e as demais Aranhas tinham refeito-as. Eram um símbolo de que elas tinham me salvado.

E, ainda assim, eu acabara de vê-las completamente destroçadas, desfeitas. Como que atestando minha desgraça.

Não ergui o rosto quando senti Rashne me puxar pelos ombros e me abraçar. Apenas o abracei com mais força, escondendo mais uma vez meu rosto em seu peito. E continuei a chorar. Porque eu só tinha vontade disso.

Depois de algum tempo chorando, as lágrimas secaram, não importava o quanto eu queria chorar. E então, Rashne me ajudou a levantar e me levou até o banheiro conjunto ao quarto. Não era grande coisa, mas o suficiente para o que eu precisava.

Não me incomodou nem tive vergonha ou qualquer coisa do tipo quando ele me ajudou a me despir e a tomar um banho, sentada num banco de madeira que estava ali. Aliás, foi ele quem lavou meu cabelo e o desembaraçou.

Não sei explicar direito por que... Talvez uma longa conversa que tive com Galagöa no dia que ele chegou para me buscar em Kolshö sobre os diferentes tipos de laços que unem as pessoas. E talvez por me recordar da menina chamada Esperança... – Ou talvez por saber que ele criara Alessa e que ela parecia não ter trauma algum por isso...

Minha mestra Aranha Lunar disse que quando nos viu interagindo, viu mais do que duas pessoas apaixonadas. Viu duas pessoas que, além de se amarem, possuem um senso de companheirismo tão forte, que independente da distância, sempre estarão ali quando o outro precisar, sempre conectados, não apenas pelo fio de Teia, mas também em pensamento e espírito. Viu duas pessoas que sempre estarão ali quando a outra precisar. Viu duas pessoas que não se amam apenas porque gostam da aparência ou da personalidade uma da outra, mas porque algo que foi decidido muito antes de nascermos quis que fosse assim. E nos uniu com algo profundo e forte.

Teorias de Conspiração - O Sangue dos Antigos IOnde histórias criam vida. Descubra agora