Night time

24 0 0
                                    

Angélica estava atenta cuidando de Diamante no estábulo. O cavalo tinha machucado a pata, nada muito grave, mas precisaria ficar uma semana sem se aventurar com a dona. A ruiva penteava sua crina, era fim de tarde na fazenda.

A noite anterior tinha sido um sucesso. Miguel lhe mandou mensagem para dizer que Tereza havia elogiado sua hospitalidade, ainda que a contra gosto. Sorriu ao lembrar da mensagem, porque ela veio também com um pedido para repetirem a ousadia em sua mesa do escritório. Tinha sido muito difícil trabalhar naquela manhã e ver tantos papéis amassados.

Apesar da felicidade, uma coisa a preocupava: Gisele parecia ser um empecilho para os dois. A mulher era nitidamente apaixonada por Miguel, e ainda que ele afirmasse não ter nenhum interesse, ela ainda frequentava sua casa como família, sendo amiga íntima de Tereza. Apesar do pouco tempo de convivência, ela confiava em Miguel.

— Boa tarde, patroa. — ela ouviu a voz de Leandro.

A ruiva se virou para o capataz com um sorriso educado. Estava de bom humor hoje, e odiaria que seu funcionário estragasse isso.

— Boa tarde, Leandro.

— Fiquei sabendo que está de caso com Miguel, meus parabéns. — ele disse, tirando o chapéu em respeito.

— Pelo visto as fofocas correm rápido por aqui. — ela disse em tom irônico.

Leandro se apoiou na parede ao lado da portinha que dava parando espaço de Diamante. Cruzou os braços e sorriu esperto.

— A senhora não imagina o quanto. — ele disse, chamando a atenção dela.

— O que quer dizer com isso? — ela perguntou brava. — Se eu souber que estão espalhando fofocas desrespeitosas ao meu respeito eu coloco o responsável no olho da rua!

Leandro levantou as mãos no ar, em sinal de rendição.

— Nada disso, senhora. Até parece que ousariam falar sobre a Dona Poderosa.

— E então?

— Eu só queria que a senhora soubesse... que quando quiser saber de algo é só me perguntar. Eu realmente sei de tudo. — Leandro olhou ao redor. — As fofocas às vezes podem não correr tão rápido assim.

O capataz saiu misterioso. Era só o que faltava ter que adivinhar o enigma da esfinge uma hora dessas. Angélica revirou os olhos, não daria atenção a esse homem agora. Tinha que organizar tudo pois no dia seguinte ela e Miguel sairiam com Caio.

O agrônomo chegou cedo na casa da namorada. Berenice e Duplex sairiam para um tour entre as vinícolas, com degustações e um almoço. Um programa bem casal, por isso Angélica se ofereceu de ficar com Caio. A ruiva apareceu na porta com o menino. Ele tinha uma roupa de frio reforçada apesar do sol de inverno e uma mochilinha nas costas.

— Pronto para passear, campeão? — Miguel perguntou, abrindo a porta do carro para o menino e o ajudando a subir na caminhonete.

— Pronto! — Caio exclamou.

Angélica se aproximou de Miguel e lhe deu um beijo calmo, sorrindo para ele.

— Bom dia.

— Bom dia! — ele respondeu sorrindo.

— Ei! Vamos logo! — Caio chamou atenção dos adultos.

Eles passaram o dia passeando pela vila, Miguel mostrou construções antigas, animais de fazendas que Caio nunca tinha visto pessoalmente. Angélica tirava fotos em seu celular para Berenice ver depois, filmava os dois juntos para sua própria memória. Pararam para almoçar em um restaurante no topo da colina, pegaram uma mesa que dava para uma bonita vista. Angélica tinha ido distrair Caio no parquinho que o restaurante tinha.

Miguel estava encantado em como ela era boa com Caio, o que o levou a concluir que ela era boa com crianças em geral. Ele foi rápido em suprimir aquela imagem de uma criança de cabelos ruivos e olhos verdes. Cedo demais, Miguel... cedo demais.

Mas que ela seria uma mãe incrível... disso ele não tinha dúvidas.

A ruiva voltou para a mesa ofegante enquanto Caio voltava a brincar com as outras crianças.

— Esse menino me deixa morta de cansada. — ela disse rindo enquanto tomava um copo de água.

— Você se dá bem com ele. — Miguel falou com um sorriso admirado.

— Ah... eu amo crianças...

— Pensa em ter filhos? — ele ouviu as palavras saírem de sua boca antes que pudesse evitar.

Parabéns, Miguel. Angélica o olhava levemente assustada. A ruiva sentiu o estômago afundar, era nítido que ele era louco para ter filhos também, e aquela realidade para ela simplesmente não fechava naquele momento. Não ainda. Sem querer causar um questionamento maior, ela foi rápida em colocar um sorriso no rosto.

— Claro... um dia, quem sabe. — ela respondeu calma.

Miguel a olhou bem, percebeu que ela ficou incomodada com o assunto, mas decidiu não perguntar. Os pratos chegaram e Miguel foi buscar Caio no parquinho, deixando Angélica pensativa.

Sabia que deveria contar sobre seu passado, mas simplesmente não tinha como. Não sabia como. Sentia vergonha pelo o que aconteceu, tinha culpa pelo aborto, ainda que não fosse responsabilidade dela. Sua vida antes de Monte Castelo não era algo que ela queria lembrar.

Miguel chegou em casa cansado, mas ria só de pensar que a noite de Angélica estava longe de acabar, já que ela foi intimada a assistir todos os filmes de herói com Caio. Já que a ruiva não sabia dizer não, o garotinho ganhou essa batalha e logo que Miguel os deixou em casa, ele puxou Angélica pela mão para não perderem tempo de sua maratona.

O agrônomo colocou a jaqueta no sofá. A casa estava silenciosa, o que o fazia questionar se Tereza tinha ido para Porto Alegre de novo. Ele estava prestes a subir para seu quarto quando ouviu um choro vindo de sua biblioteca. Desceu os degraus da escada que tinha subido e caminhou em passos silencioso até ver quem era a fonte desse barulho.

Encontrou Gisele encolhida em uma cadeira perto da janela. Ela estava no escuro, apenas a luz do luar iluminava o ambiente. Miguel respirou fundo, acendeu as luzes e se aproximou.

— O que aconteceu? Por que está assim? — ele perguntou em sua voz calma.

— Miguel... — ela desviou o olhar.

— Pode me dizer... foi minha mãe? — ele perguntou novamente.

— Eu me sinto tão sozinha nessa casa... sua mãe me chama para passar um tempo aqui, mas fica muito mais em Porto Alegre do que em casa... Fernanda não gosta de mim e só fica com o Pedro... você... eu sei que trabalha demais... — ela disse em uma voz miúda.

Miguel sabia que tinha parte de culpa nesse drama, já que não foi o melhor dos anfitriões.

— Minha mãe foi para Porto Alegre de novo? — ele perguntou e ela balançou um sim com a cabeça. — E Fernanda?

— Saiu com Pedro...

O homem passou a mão pela cabeça em nervosismo.

— Certo... não precisa chorar... eu vou ficar em casa hoje, posso fazer uma comida rápida e jantamos, batemos um papo... que tal? — ele ofereceu com um sorriso.

Gisele o olhou encantada. Limpou as lágrimas e se levantou rapidamente.

— Podemos abrir um vinho?

— Gisele...

— Eu sei! Você não bebe... só meia taça, como no jantar...

— Está bem... apenas meia taça. — ele concordou enquanto ia para a cozinha preparar algo para eles.

Monte Castelo Onde histórias criam vida. Descubra agora