15- O meu passado

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Rouen, França

O meu corpo estremeceu com o barulho do meu telemóvel, o aparelho tocava freneticamente e eu coçava os olhos confirmando o horário. Eram três e meia da manhã, o nome dele aparecia no ecrã e eu atendi com um sorriso, ainda que irritada por me ter assustado.

-Sim Pierre Gasly, são três e meia da manhã.- disse um pouco resmungona.

-Também me ligaste de madrugada enquanto eu estava em Itália.- respondeu com razão.- Eu cheguei agora a Rouen e não conseguia esperar até amanhã, precisava mesmo de falar contigo. Tenho saudades...-as últimas palavras ele deixou escapar num tom mais baixo, como se não quisesse que eu ouvisse.

-Eu prefiro conversar contigo pessoalmente Pie, é um assunto muito delicado.- expliquei sincera.

-Por isso é que eu estou cá fora, à porta de tua casa.- disse calmamente e eu arregalei os olhos surpresa. Corri até à janela do meu quarto e os meus olhos brilharam quando viram o piloto encostado ao seu carro, com uma mão no bolso das calças e a outra a segurar o seu telemóvel.

-Eu vou descer. - avisei com um sorriso. Coloquei um roupão gigante por cima do meu pijama para não ter frio e saí com muito cuidado para não acordar os meus pais. Respirei fundo antes de caminhar em direção ao piloto francês, eu sabia o que é que esta conversa significava para mim, eu ia finalmente permitir ao Pierre que ele me conhecesse.

-Elyna... - foi tudo o que ele conseguiu dizer antes de eu o envolver num abraço apertado, eu precisava de sentir o calor do seu corpo para me acalmar, inalei o seu perfume e sorri, como eu sentia falta dele. - Anda, vamos entrar no carro porque está muito frio cá fora. - disse e abriu a porta do veículo à espera que eu me acomodasse lá dentro. Já com o Pierre sentado no outro banco, respirei fundo antes de começar a falar.

-Pierre, eu vou-te contar o meu passado para que tu entendas que  eu nem sempre fui esta pessoa. Eu antes era ingénua, muito sentimental e super amorosa, mas ser assim só me levou a constantes desilusões, então eu tive que mudar. O que eu te vou revelar é algo que me marcou e vai marcar para sempre, e é essa a razão pela qual eu estive afastada de ti esta semana. Eu peço desculpa por te ter ignorado, mas eu precisava mesmo de pensar antes de decidir que tu precisavas de saber. - comecei calma, tentava sempre controlar a respiração e dizer as palavras certas. O piloto apenas deu sinal com a cabeça para eu continuar a falar. - Eu comecei a namorar com o Juan aos 20 anos, eu já estava na agência da Bella e ia começar a trabalhar para lançar a minha carreira para um patamar de topo. Eu e ele vivemos um ano incrível, ele apoiava-me em tudo, prometia-me o mundo e eu sentia que aos olhos dele, eu era a mulher mais linda à face da terra. Depois, quando eu comecei a ser chamada para vários trabalhos e a ter mais reconhecimento, ele começou a mudar a sua atitude comigo. O Juan não queria que eu trabalhasse tanto porque dizia que eu não tinha tempo para ele, mas a verdade era que ele não queria que eu trabalhasse com marcas que vendiam bikinis ou lingerie. Sempre que eu recebia uma proposta assim, ele conseguia dar-me a volta à cabeça e eu acabava por rejeitar as marcas, tudo porque ele me dizia que o meu corpo era dele e que mais nenhum outro homem se podia ficar a babar para mim. Eu na altura achava que eram os seus ciúmes queridos e que era a sua maneira de cuidar de mim. - deixei escapar um riso nasalado ao lembrar-me do quão parva eu era. - Mas a Bella apertou comigo, ela ameaçou que me despedia se eu continuasse a rejeitar tanto trabalho e eu vi-me sem saída, comecei a aceitar e a trabalhar com todas as marcas. Quando o Juan descobriu ficou chateado, muito chateado, discutiu comigo e começou a adotar uma atitude repugnante. Sempre que ele via uma fotografia minha fazia questão de me mostrar e de apontar tudo o que estava errado nela, dizia que eu tinha um corpo horrível, que nunca ia chegar a ser uma modelo de topo e que era uma vergonha eu estar a fotografar para marcas de nome, porque nunca estaria à altura de nenhuma. Eu fiquei muito afetada psicologicamente, mas eu ainda o amava e não conseguia deixa - lo porque quando ele me dizia que eu nunca ia encontrar ninguém que me amasse tanto como ele, eu acreditava. Vivi neste relacionamento tóxico mais um ano e só consegui sair dele porque as minhas amigas perceberam que se passava alguma coisa. Eu contei-lhes tudo e elas levaram-me para ser acompanhada por uma psicóloga, eu fui seguida e a doutora ajudou-me a perceber que eu não estava feliz naquela relação e que precisava de sair dela urgentemente. O Juan não ficou feliz, ele pensava que me tinha na mão e que ia ser sempre assim, insultou - me e chegou mesmo a levantar - me a mão.- as lágrimas corriam pelo meu rosto sem que eu as pudesse controlar, reviver o passado era sempre doloroso.

-Eu sinto muito Elyna, tu não merecias passar por isso.- fui envolvida no seu abraço, a minha cabeça ficou encostada ao seu peito e eu podia sentir o seu coração a bater ritmadamente.

-Quando te beijei na Holanda, senti que tornei a nossa relação mais real e entrei em pânico. A minha última relação foi horrível e eu tenho medo de me entregar a alguém. - expliquei enquanto limpava as lágrimas das minhas bochechas.

-Não precisas de te explicar, nós vamos levar isto com calma. A nossa relação pode ser falsa, mas eu gosto mesmo muito de ti boneca, e sou incapaz de te magoar. - levantei a cabeça para olhar para o seu rosto e ele presenteou - me com um sorriso.

-Obrigada Pie. - sorri para o piloto e deixei um beijo na sua face. Ele não respondeu, pelo menos não com palavras, ele apertou ainda mais o seu corpo contra o seu e ficamos ali durante horas. Só nos apercebemos do tempo passar quando o sol nasceu e, posteriormente, quando a Lydia chegou a minha casa com os sacos das compras.

-Meu Deus, a Lydia! - exclamei quando a vi, ela também me viu e sorriu para mim. - Tenho de voltar para casa. - disse apressada.

-Depois marcamos alguma coisa? - perguntou Pierre preocupado.

-Sim Pie, eu mando-te mensagem. - respondi para o deixar descansado, eu não o ia voltar a ignorar. Fechei a porta do carro e corri para casa, mas assim que bati a porta dei de caras com o meu pai.

-Elyna, o que é que estavas a fazer lá fora de pijama? - questionou.

-Ahm...-foi tudo o que eu consegui dizer antes de Lydia nos interromper.

-A menina foi-me ajudar a levar o lixo à rua, as sacas eram muitos pesadas e como ela tinha vindo à cozinha beber água ofereceu - se para ir comigo. - eu sorri e concordei com tudo o que Lydia havia dito, ela tinha-me salvado.

-Fico muito feliz por saber que criei uma mulher assim. - o meu pai sorriu e depositou um beijo na minha testa antes de sair em direção ao seu quarto, outra vez.

-Obrigada Lydia, muito obrigada. - agradeci agarrada às mãos da mulher.

-Não tem nada que agradecer menina, mas olhe que gostei muito de a ver com o rapazinho, vocês pareciam felizes. - comentou com um sorriso.

-Quando estou com o Pierre também me sinto muito feliz. - refleti em voz alta e fui envolvida num abraço caloroso.



Continua....

E já ficamos a saber sobre o passado da Elyna com o Juan, coitadinha :(. Ainda bem que apareceu um Pierre Gasly na vida dela, alguém sabe onde é que se compra um igual? Ahahahaha

Late Night Talking || Pierre GaslyOnde histórias criam vida. Descubra agora