O tornado e a rosa

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Enquanto Doug acendia as lamparinas que encontrara na cabana de ferramentas, Catarina  estava sentada em um banquinho, bebendo a água do copo que ele entregara em suas mãos, tentando recobrar a sobriedade.

Um silêncio absoluto reinava entre os dois. Embora se conhecessem desde pequenos, a diferença de idade impediu que uma amizade maior se fortalecesse entre ambos. De todos os filhos da Sociedade Privada Do Chá Escocês, eles eram os únicos que se chamavam formalmente e não conseguiam manter uma conversa longa quando ficavam sozinhos.

Para ela, o Marquês era o irmão mais novo da tia Davina e para Doug, ela era princesa. Contudo, estava aliviada por ter sido encontrada por ele e não por sua família, seus amigos ou os soldados.

O Marquês era reservado e observador. Ela nunca conseguia decifrar o que ele estava pensando, mas todas as suas decisões pareciam fazer sentido ao ponto de Catarina ver os resultados delas apenas no futuro.

Pela primeira vez em muito tempo, ela se distraiu de suas preocupações, com a mente focada em analisar o tipo de pessoa que o homem à sua frente era. E, julgando pelas memórias que tinha dele, o Marquês parecia se manter um pouco distante para analisar a situação com uma maior visão, ponderava as decisões que poderia tomar e, ao final, escolhia a que ele achava ser a melhor escolha para todos.

– É melhor você tirar as suas roupas molhadas, Alteza. – Sua voz preencheu a cabana, sobressaindo o barulho da tempestade. Ele sequer a olhou, apenas terminou de acender as lamparinas e abriu minimamente uma janela, encarando o mundo que parecia cair do lado de fora – Estamos presos aqui por um bom tempo. É melhor tirar as roupas molhadas para não ficar doente.

A fala dele era socialmente escandalosa. Eles estavam sozinhos, molhados e agora ele dizia para ela trocar suas roupas. Contudo, Catarina não se assustou. O completo desinteresse na voz dele, misturado com o olhar pela fresta da janela a fizeram perceber que, para Doug, a tempestade era bem mais interessante que ela.

– Eu já me abriguei da chuva aqui antes e fiz amizade com o jardineiro, tem um baú com calças e camisas dele ali. – Apontou o dedo para algo atrás de Catarina, ainda sem desviar o olhar da chuva – Fique à vontade, princesa.

Catarina olhou na direção que ele apontou e se levantou. Quando esticou a mão para abrir o baú, uma gota pingou em sua mão enluvada, fazendo-a se lembrar de um detalhe.

Ela olhou na direção do Marquês e mordeu o lábio inferior, envergonhada.

Doug fitava os pingos de chuva, concentrado no cheiro de terra molhada, tentando encarar as lembranças dolorosas que o caos da tempestade lhe trazia a fim de controlar a dor em sua cicatriz.

Ouvindo o som alto e forte dos pingos se chocando contra a terra, ele se perguntou quando aquilo havia começado. Passara por sua infância na miséria com tamanha inocência que apenas depois de adulto percebera como a vida na pobreza fora difícil. Quando sobreviveu às perseguições, o ataque pirata ao qual debilitara sua saúde permanentemente ou quando fora sequestrado na adolescência e levado para uma mina de carvão, onde foi torturado e ganhou a cicatriz em sua face…

Ele não sabia dizer exatamente quando começou a ficar paralisado durante o sono, quando sua cicatriz começou a doer periodicamente ou em que momento o som de tiros, explosões e barulhos altos começaram a desencadear lembranças as quais ele gostaria de esquecer.

Com o tempo, ele aprendeu a dominar algumas dessas sequelas, mas outras eram impossíveis, como sua lenta perda de visão.

Seus médicos diziam que sua mente havia o traído e que muitas dores e ataques eram puramente de sua cabeça.

O Marquês Desejado Onde histórias criam vida. Descubra agora