Venha até mim

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Douglas, o Marquês de Lowell, em seus trinta e quatro anos de idade, sabia que ainda existiam coisas inimagináveis no mundo. Contudo, ele tinha consciência que já tinha visto e vivido situações as quais se encaixavam nessa lista. E por essa exata razão, não se surpreendia com muita facilidade quando algo ruim acontecia.

Ele era uma pessoa prática, não costumava se lamentar quando algo inevitável acontecia. Como quando finalmente foram resgatados da mina de carvão ao qual deixou-lhe a cicatriz no rosto e, ao invés de ir para casa, ele decidiu que ajudar Andrew e Cecília feridos era mais importante, então, em seus dezesseis anos, ele cuidou do casal em uma cidadezinha até que estivessem bem o suficiente para voltarem a Londres. Ou como quando acordou e viu que seu belo rosto estava desfigurado com aquela cicatriz e ele apenas aceitou. Ele preferiu se conformar logo já que chorar não a tiraria de seu rosto.

Quando começou a perder a visão, se deu conta de que teria que mudar sua vida e seus planejamentos para não preocupar ninguém, já que surtar também não o curaria. E quando começou a ter ataques, soube que era fruto de seu subconsciente, mostrando as consequências de não ter sofrido na época certa.
O sofrimento era parte do processo da cura de uma dor.

E mesmo que já fosse tarde e que, saber daquilo aquela altura da vida, talvez já não valesse de nada, ele se pegava pensando naquilo frequentemente. Se ele soubesse viver os processos, não teria que sair do caminho e fazer sua própria linha de chegada.

Quando ele começou a parar de viver o processo?

Talvez começou quando era muito pequeno e chorou de fome, e a comida não apareceu mesmo quando sua irmã implorou de porta em porta.
Quando chorou na morte de Wallace e isso não o trouxe de volta, quando quase morreu no ataque pirata quando tinha onze anos e seu choro não impediu que o médico fizesse sangrias nele, quando chorou de saudade da irmã na faculdade e isso não fez ela parecer magicamente, quando foi torturado na mina de carvão e isso não impediu que fosse furado, enforcado, cortado e espancado...

Uma vez, um professor chegou a lhe dizer que ele tinha olhos frios na faculdade. Ele ficou confuso na época, mas começou a entender quando percebeu como estava vivendo.

Ele estava cansado.

Quando olhava para a sua vida agora, via que estava em sua melhor fase. Ele tinha um título, várias propriedades espalhadas pela Europa, uma grande fortuna e uma ótima reputação. Ele ia e voltava de onde queria e quando queria. A liberdade nunca fora tão presente como nos últimos tempos. Sua saúde estava debilitada, mas ao menos tinha recursos para lidar com aquilo de uma forma confortável. E a melhor parte daquilo tudo deveria ser o fato de seu coração estar seguro, sem acelerar por ansiedade e medo de morrer, sem mais motivos para chorar ou grandes preocupações. E assim, viver o resto de seus anos em paz sem dar trabalho para ninguém.

Talvez até mesmo adotasse um cachorro para lhe fazer companhia na América.

Tudo estava cuidadosamente planejado. E em sua visão, era o plano perfeito.
Sem nenhum defeito.
Era a escolha que ele tinha feito para a sua vida.
Até que uma tempestade destruiu toda aquela paz há quatro anos atrás, quando com a chuva, também viera uma princesa absurdamente persistente e irresistivelmente linda.

E que conseguia ter um cheiro insuportavelmente atraente, não importava qual perfume usasse.

Rosas, peônias, baunilha, jasmim, maçã...

Maçã.

Era essa a fragrância que inebriava seu estado, trazendo-o para a consciência. Ele sentia um peso abaixo do peito e algo macio espalhado pelo seu braço.

Antes de abrir os olhos, ele tateou em volta, sentindo o colchão que ele sabia perfeitamente que era o da sua cama. Além do perfume de maçã, ele também sentia o cheiro amadeirado e da lavanda de seu quarto que suas criadas deixavam.

O Marquês Desejado Onde histórias criam vida. Descubra agora