O gosto amargo da traição

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Catarina experimentara diversas dores nos últimos meses, mas a dor da traição de uma melhor amiga era diferente.

Era amarga.

Seu estômago pareceu ser chutado de uma vez, como se todo o seu interior sentisse o amargor.

Seus olhos sequer piscavam, ela apenas sentia eles arderem como se tivessem brasas.
Sua respiração ficou presa na garganta, e sua voz mal saiu.

– …Eleonor é… – Ela hesitou, torcendo para ter entendido errado – …sua fiha?

Sua pergunta repercutiu em Cambell e ele riu como se estivesse em êxtase.
A risada dele ecoava pela cela, recheada da mais pura satisfação, como se tivesse esperado anos por aquele momento.

Ele parou de rir aos poucos e voltou o olhar para Catarina, enxugando as lágrimas que formaram em seus olhos de tanto rir.
Cambell se aproximou, encostando o rosto nas grades e se abaixando, sentando na frente dela no chão.

– Eu vou lhe ensinar uma lição preciosa sobre a vida, princesa. – Ele começou – Muitas vezes, pessoas que teoricamente deveriam nos amar, são as que nos traem e mais nos machucam. – Suspirou e seus olhos âmbar ficaram distantes, como se lembrasse de algo – O meu pai fez isso comigo. Aliás, durante todos esses anos, as poucas linhas dos livros da Sociedade Privada do Chá Escocês que me mencionam, sempre me descrevem como o vilão de toda a história, mas o verdadeiro culpado aqui foi aquele infeliz que um dia eu chamei de pai.

– Eu não estou entendendo nada… Como Eleonor é sua filha? Ela morava sozinha e trabalhava como lavadeira… Nós nos conhece-

– Shiii… – Fez sinal de silêncio para Catarina, parecendo achar graça do atordoamento dela – Eu vou lhe contar como tudo isso começou, princesa… – Afastou o rosto da grade e tirou um charuto do casaco, acendendo e inspirando a fumaça. Ele se recostou de lado na grade e alternava o olhar entre ela e o teto enquanto falava – Eu não me lembro da minha mãe, ela morreu cedo então toda a minha infância e adolescência foram nas mãos daquele velho desgraçado – Soprou a fumaça no ar – Eu fui um pouco… rebelde na juventude, mas não justifica ele me difamar para toda a nobreza e gastar toda a fortuna da família em jogos de azar, tudo para que eu não ficasse com nada. – Seu olhar ficou ainda mais frio e o canto de sua boca retorceu – O que eu podia fazer? Peguei o que me restava, fugi das dívidas que ele me deixou e fui para uma cidade pequena e esquecida da Escócia, onde eu havia ouvido falar de duas mulheres ricas e solteironas. – Soltou mais fumaça pela boca – Sua mãe e minha ex-esposa, uma condessa viúva chamada Marry.

Cambell parou de falar e ficou fumando por longos minutos. Como se lembrasse do passado, volta e meia Catarina tinha a impressão de ver algo como um sorriso enquanto ele estava nostálgico.

Ela não sabia muito sobre ele. O pouco de conhecimento era baseado nos livros da Sociedade Privada, o que tinha ouvido em algumas conversas, e que ele estava morto.
Apenas isso.
Mas nada do que tinha ouvido chegava perto de como ele realmente era pessoalmente.

Aaron Cambell era doentio, isso era um fato. Mas não imaginava o quão frio e calculista ele era, não estava tão longe de parecer um maluco, no entanto, tinha um pouco de racionalidade dele nos momentos amenos.
O estado dele ia além da perturbação mental.
Como se o desejo de vingança tivesse mantido minimamente a racionalidade necessária para montar cada passo.

A mente de Catarina estava confusa, ela não entendia nada do que estava acontecendo. Apenas duas informações se fixaram: Aquele homem estava por trás de tudo e que Eleonor tinha a traído.

Se é que algum dia esteve de fato ao seu lado.

Catarina apenas deixou o corpo imóvel sobre o chão sujo e encarou o teto, sentindo suas lágrimas quentes descerem. Mas ela não fazia barulho.

O Marquês Desejado Onde histórias criam vida. Descubra agora