Cecilia
Eu queria só abaixar a cabeça na mesa da sala e chorar. Eu não conseguia pensar em mais nada a não ser no que aconteceria quando eu chegasse em casa.
Droga. Parecia que eu tinha tomado todas as piores decisões. Era inútil tentar me concentrar na aula enquanto meus olhos lacrimejavam de ansiedade. Eu mordia minhas unhas, descascando o esmalte e batia minha perna na parede, fazendo minha mesa tremer.
O primeiro professor notou minha inquietação e perguntou se eu queria dar uma volta para espairecer, mas eu neguei. Naquele momento eu não queria que olhassem pra mim, muito menos porque eu estava vestindo as roupas de Olívia, que depois de algum tempo eu percebi que tinha um "D" enorme feito de caneta branca no bolso de trás.
"D"?
Provavelmente ninguém saberia, era muito improvável que alguém me ligasse à Olívia e criasse uma teoria que a gente estava tendo um caso. Mas a gente estava.
Talvez não mais.
Durante a manhã, quando eu não olhava para seu rosto do outro lado da sala com medo de não segurar um sorriso idiota, eu senti que alguma coisa tinha mudado. Como um passe de mágica, pareceu insignificante a maneira como a gente discutia antes. Eu não sentia o ódio absurdo de dias atrás e não entendia o porque.
Talvez, o pouco tempo que eu passei com ela fez com que eu apagasse a imagem que eu tinha criado dela antes. No lugar, minha mente se lembrava de como seus braços me envolviam quando a gente se beijava e como seus lábios eram macios. Era como se eu tivesse romantizado a garota.
-Você quer falar sobre o que aconteceu?- Beatriz perguntou durante o intervalo, a gente se sentou em uma mesa na lanchonete e eu continuava perdida em pensamentos.
-Eu sem querer dormi na casa de Olívia...-Eu falei me aproximando dela na mesa.
-O que? Que demais, e vocês...- Minha amiga deu um sorriso malicioso sem completar a frase.
-Claro, por que você acha que eu teria ido pra casa dela, esqueceu que a gente nem se dá bem?- Eu falei pra ela, tentando me fazer acreditar que era verdade.- Acontece que eu não avisei minha mãe, eu simplesmente peguei no sono em vim pra cá com Olívia.
Beatriz colocou a mão na boca, tentando cobrir sua cara de espanto e mudou de lugar para se sentar do meu lado.
-Você falou pra seu irmão que você tá aqui? Pra ele poder te buscar?- Ela perguntou, segurando minha mão tentando me confortar. Eu assenti.- Tudo bem, vai ficar tudo bem, amiga. Fala que você dormiu na minha casa e que tava tão cansada do trabalho que capotou.
Eu concordei com ela, mas não conseguia acreditar que mentir pra minha mãe daria certo dessa vez. Parecia que nas últimas semanas ela estava no limite e que a qualquer momento iria explodir.
-Eu só faço merda..- Eu falei e não consegui segurar as lágrimas, eu abaixei a cabeça na mesa para que ninguém notasse que eu estava chorando e senti minha amiga acariciar meus cabelos.- Que ódio...
Quando o sinal do fim do intervalo bateu, eu levantei a cabeça rapidamente para secar as lágrimas e segui para a sala de aula com minha amiga. Eu estava envergonhada por andar pelos corredores com os olhos vermelhos, mas era inevitável.
Eu queria sumir, simplesmente me esconder de todo mundo e chorar, mas quando a aula de literatura começou eu me lembrei que era o dia da entrega do trabalho que eu fiz com Olívia.
-Merda...-Eu falei, temendo que a professora nos fizesse apresentar e abaixei a cabeça na mesa, ficando alheia a todos a minha volta.
-Cecília...- Eu senti alguém tocar meu braço e me chamar baixinho, eu levantei a cabeça e me deparei com o rosto de Olívia, eu pensei ter visto um semblante preocupado, mas talvez fosse só minha cabeça.- A professora disse que a gente não precisa apresentar, porque não vai dar tempo pra todo mundo falar, então a gente só envia o documento pra ela. Você envia ou quer que eu faça isso?- Olívia falou, com a voz mais calma que o normal.
Sua mão ainda segurava meu ombro, com um toque leve. Naquele momento eu senti que era tudo que eu precisava, mas não tive nem coragem de agir.
-Eu posso enviar, fica tranquila.- Eu disse tentando soar indiferente, mas a garota continuou em pé ao meu lado.- Pode ir.
-Você tá bem?- Ela perguntou, seria.
-Sim eu to bem, eu não preciso da sua preocupação. E antes que pergunte, não tem nada a ver com você.- Eu falei, para não implorar que ela saísse de perto de mim, mas logo em seguida me arrependi.
-Sinceramente, eu não sei porque perguntei. Se fode então...- Ela disse e voltou para seu lugar na sala de aula.
Eu me segurei para não olhar em sua direção pelo resto da aula, mas me odiei por ter tratado ela mal. Depois de tantos anos, o que antes era rotina pareceu doer em meu peito. E por conta disso eu senti um desespero enorme, por não poder controlar meus sentimentos e por querer ir até sua cadeira e pedir desculpa. Mas eu não fiz isso.
Só esperei a aula acabar e meti o pé da escola. No caminho pra casa eu mal falei com meu irmão, mas ele pareceu estar do meu lado e não questionou minha mudança de humor.
Eu mal entrei em casa quando minha mãe me olhou com desaprovação e cruzou os braços na minha frente. Ela me olhou de cima a baixo e e soltou uma risada nasal.
-Então você passou a noite na casa de um garoto?- Ela perguntou sinceramente, a pergunta me pegou de surpresa mas logo eu olhei para minhas roupas e entendi porque ela achou isso. Eu apertei meus lábios um contra o outro e neguei com a cabeça.- Não? você acha que eu sou idiota?
-Não, eu dormi na casa de Beatriz, essa roupa é dela, eu juro!- Eu disse tentando soar o mais convincente possível.
-Cala a boca! Eu tô cansada das suas mentira, você acha que eu fico feliz em saber que você passou a noite abrindo as pernas pra um moleque? E ainda veio pra casa usando as roupas dele!.- Minha mãe gritou, fazendo eu apertar a bolsa na minha mão e fechar os olhos.
Eu poderia dizer que era uma garota, mas isso não melhoraria nada.
-Mãe, eu tenho certeza que não passa de um mal entendido, tá tudo bem.- Meu irmão tentou interferir, mas minha mãe apontou o dedo no rosto dele e ele se calou.
-Para de tentar defender a sua irmã, para de tentar justificar os erros dela! Sua irmã é uma vadia e você nem se importa?!- Patrícia gritou mais uma vez e eu senti a celular sendo puxado da minha mão e em seguida jogado no chão.
-Não! Por que você fez isso, sua louca?- Eu gritei dessa vez, perdendo a paciência e me aproximando de minha mãe.
-Louca? Agora eu sou louca?- Patrícia foi irônica e deu risada.
-Tá tudo bem, eu vou embora daqui logo e pode ter certeza que muita coisa ruim vai acontecer com você.- Eu falei da boca pra fora e subi para meu quarto, me trancando como na última semana e mais uma vez pulando a refeição.
Só saí de casa para trabalhar, e lá eu fiquei até o final da tarde. Trabalhando em completo silêncio tentando me apegar somente nas memórias boas da noite passada. Dos beijos de Olívia, que agora me causavam borboletas no estômago, nos seus gemidos e no seu cheiro que eu desejei que ainda estivesse em mim.
Eu me deixei levar pelo sentimento e dessa vez não me martirizei por isso. Mesmo que eu estivesse me sentindo fraca por ceder e estar gostando tanto da companhia de Olívia.
Se eu pudesse ir pra a sua casa agora, eu iria.
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A um passo do amor (lésbico)
RomanceAos 17 anos, Cecília Gomez tinha o intuito de aproveitar a vida ao máximo. Sua mãe, não chegando nem perto de ser a melhor, dizia que sua filha era a típica adolescente rebelde. Na escola, Cecília chamava a atenção de todos por conta de sua beleza...