Capítulo 31

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Olivia

-Vocês já pararam pra pensar que se isso der certo e a gente bombar, eu não vou ter que fazer faculdade?- Letícia perguntou, com uma animação absurda, como se fosse a melhor coisa do mundo.

Ainda era segunda feira e nós estávamos na casa de Davi, passamos a tarde discutindo sobre nosso desempenho como banda e agora estávamos comendo pizza.

-Nada te impede de fazer faculdade, você só quer uma desculpa pra não estudar pro Enem.- Eu falei, como se não estivesse achando tudo muito engraçado.

-Foda-se o Enem, foda-se vestibular! A gente vai ficar famoso e vamos viajar o mundo inteiro...- Letícia falou alto e pegou mais um pedaço de pizza.

-Esse é o lado ruim, a gente te vai ter que conviver um com o outro todo dia pra sempre.- Davi falou e me olhou com uma cara de nojo, eu retribui e lhe dei o dedo do meio.

-Como se a gente já não fizesse isso, sério, acho que a gente não tem nenhum outro amigo a não ser nós mesmos.- Eu falei e dei um gole na latinha de coca cola.

-Você não tem! Você é a pessoa mais antissocial que eu já vi na minha vida.- Letícia falou e Gabriela bateu em seu braço, me defendendo.

-Eu não sou antisocial, eu só não sou a pessoa mais simpática do mundo as vezes.- Eu me levantei e limpei minhas mãos no guardanapo que estava em cima da cama.- Sabe o que eu acho? Que a gente tem que se preocupar com outras coisas, por exemplo: a gente não tem nenhuma música autoral...

Na quarta feira, meu avô comentou comigo que a gente precisava desenvolver mais nossa identidade. Tirando o fato que a gente não tinha nem nome, era preocupante não ter nenhuma música feita por nós. Eu pensei por um breve momento em compartilhar com meus amigos as músicas que eu havia escrito sozinha e feito o som na guitarra ou no violão, porém quando eu cheguei em casa naquela noite e tirei o caderno usado de dentro do guarda roupa eu quase vomitei.

Eu nunca, nunquinha mesmo compartilharia isso com ninguém. Postar vídeos meus tocando melodias aleatórias na guitarra já era demais.

-Tudo bem, a gente tem que pensar primeiro na ideia que a gente quer passar.- Gabriela falou. A garota parecia mais cansada que o normal, e se levantou rapidamente do chão, pegando a guitarra de Davi no suporte.

-Não sei se é o período fértil, mas eu queria fazer uma música bem transante sabe...- Letícia disse e eu dei risada.

-Transante?

-Sim, tipo com a guitarra bem aguda e você cantando no microfone como se fosse uma prostituta.- Minha amiga se levantou da cama e segurou a mão de Gabriela na frente do seu rosto, como se fosse um microfone, sensualizando de uma maneira horrível.

-Por que eu?- Eu protestei e procurei um maço de cigarro dentro da minha mochila.

Eu tinha vindo direto da escola, mas tomei a liberdade de tomar banho do banheiro de Davi e mais uma vez vesti suas roupas.

-Não! Você não vai fumar aqui dentro. Primeiro: você já fumou umas cinco vezes desde que chegou aqui, e segundo: você tá usando minha camisa do Flamengo.- Meu amigo tirou o cigarro da minha mão e escondeu o isqueiro atrás de si.

-Não foram cinco vezes, você tá exagerando só pra me deixar chateada.- Eu reclamei, mas não tentei pegar o cigarro da sua mão. Ao invés disso, eu me levantei e tomei a guitarra da mão de Gabriela.- Me da isso aqui.

-Sua cachorra, não precisava tirar da minha mão assim!- Gabi empurrou meu ombro, mas em seguida se jogou na cama e pegou um pedaço de pizza dentro da caixa.- Vai, toca aí.

-Tocar o que, porra?

-Inventa...-Davi disse.

Eu toquei alguns acordes na guitarra, tentando criar uma base para o que iríamos fazer. Como eu esperava, eu fiquei horas em pé quebrando a cabeça e escutando a opinião dos meus amigos. O instrumento passou pela mão de todo mundo, Gabriela foi útil, Davi brigou porque não gostamos do que ele tocou e Letícia fez uma zoada horrorosa. Já passava das onze da noite quando chegamos em um acordo, porém não estávamos nem perto de produzir uma música.

-O que é isso?- Davi disse depois que eu já tinha guardado a guitarra. Eu não prestei atenção, mas Letícia soltou um grito.

-"Tô livre amanhã, quer vir aqui pra casa?" mensagem de Cecilia.- Letícia falou e só então eu percebi que Davi estava com meu celular na mão.

-Que porra é essa, me dá isso aqui!- Eu falei e peguei o celular, na tela, a única notificação era de Cecília.

-Quando foi que vocês fizeram as pazes?- Letícia perguntou.

Eu queria ir embora naquele momento, poderia dar a desculpa que já era tarde, mas meus amigos iriam continuar me questionando no dia seguinte.

-A gente não fez as pazes, ela só me falou que o celular tinha quebrado e tava com outros problemas.- Eu falei e guardei o celular no bolso na bermuda de Davi.

-Ah, então deve ser por isso que você tá se entupindo de tabaco...- Gabriela concluiu e pegou sua mochila jogada no chão do quarto, que agora estava uma bagunça.- Davi, leva a gente pra casa, já tá tarde e amanhã a gente tem prova.

-Puta que pariu, eu esqueci...- O garoto esfregou o rosto, como se estivesse frustrado e pulou da cama.- De que?

-História e Literatura.- Eu disse tranquila por já ter estudado tudo.

-Tá bom, garotinhas, peguem suas coisas que eu levo vocês. E você, Olívia, troca de roupa, eu não vou deixar você roubar essa camisa.

Eu tentei protestar, mas sabia que ele tinha razão, eu provavelmente não devolveria a blusa. Então voltei a colocar meu uniforme e mandei uma mensagem pra minha avó, dizendo que já estava a caminho.

-Eu vou na frente.- Letícia falou e saiu correndo pelas escadas. Eu e Gabriela demos as mãos e seguimos a loira.

Eu estava mais quieta que o normal é ela percebeu.

Durante o caminho, eu fiquei perdida em pensamentos. Eu ainda não tinha respondido Cecília e por mais que tentasse mudar de ideia eu sabia que no final eu iria para a casa dela. Eu iria porque era sedenta por seus beijos, pela sua pele macia e sua voz.

Eu quis chorar, chorar de verdade, por não saber me afastar e seguir minha vida sem essa dor de cabeça. Eu me perguntava até quando seria assim e me odiei por desejar que a gente pudesse pular somente para a parte boa.

Quando Davi me deixou em casa, eu entrei, com cuidado para não acordar minha avó e fui tomar banho. Enquanto a água quente caia pelo meu corpo, as lágrimas desciam pelo meu rosto. Eu quis segurar meus soluços, mas não conseguia.

Eu não entendia, não conseguia explicar porque estava assim.

Eu quis voltar no tempo e nunca ter entrado naquele quarto com Cecília na festa de Felipe. Eu quis nunca ter sentido seus lábios contra os meus e sua pele nua contra a minha. Mas ao mesmo tempo eu não me arrependia de nada, afinal, nada mais importava quando eu estava com ela.

Talvez eu só desejasse que Cecília mudasse e que eu pudesse realmente falar o que eu sentia, que eu pudesse dizer alto e em bom tom que ela mexia comigo e por isso eu deveria me afastar.

-Que desgraça!- Eu gritei no chuveiro e por um impulso, bati a mão no vidro, no mesmo instante eu me arrependi. Minha mão começou a doer e eu só amaldiçoei Cecília por ter feito isso comigo. Por me fazer ter vontade de puxar meus cabelos e gritar o mais alto que eu pudesse.

Antes de dormir, eu fui até minha sacada e fumei mais um cigarro para aliviar minha ansiedade. Porém, eu ainda chorava.

"Tudo bem"

Eu respondi antes de me deitar. Mas não dormi.

A um passo do amor (lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora