Cecilia
Ela desligou, desligou na minha cara mesmo eu me esforçando para fazer as coisas certas. Eu não poderia culpa-la, se eu estivesse em seu lugar eu não teria nem atendido o telefone. Mas eu percebi que ela não estava em seu estado normal de sanidade, sua voz estava lenta e eu escutei ela tragando do outro lado da linha.
Eu queria saber exatamente o que ela estava fazendo, queria estar com ela. Por um momento eu cogitei ir até a sua casa e vomitar as palavras que estavam presas na minha garganta.
Toda essa confusão fez com que eu só conseguisse perceber como eu havia mudado, quase da noite para o dia. Antes eu só consegui me importar com mim mesma, tudo era sobre mim e a falta de empatia era uma coisa que preenchia meu peito e meu irmão costumava me repreender sempre por conta disso. Agora, eu estava cada vez mais emotiva, colocando meu orgulho de lado por uma pessoa que poderia não sentir o mesmo e que não queria nem me ver pintada de ouro.
Eu poderia dizer que tudo mudou quando eu vi Olivia saindo do meu quarto, com o rosto vermelho e os olhos brilhantes. Porém, dentro de mim eu havia mudado muito antes disso. Talvez quando eu, pela primeira vez presenciei ela com uma garota, talvez quando ela deixou eu me aproximar na praia, talvez quando ela chegou tão perto de mim na sala de aula que seu cheiro ficou gravado na minha memória, ou quando eu beijei seus lábios pela primeira vez. Eu só sabia que Olivia tinha acordado uma parte de mim que eu não sabia que existia, que só agia por ela.
Como foi triste saber que eu tive medo de dizer tudo isso antes. Eu fui de não me importar com ninguém para me importar somente com ela, e eu não pude demonstrar.
Uma pequena parte de mim acreditava que tudo daria certo, que eu teria mais uma chance e que ela sentia o mesmo por mim. Que ela sentia a vontade absurda de ficar perto e dizer tudo aquilo que foi se perdendo no meio do nosso caminho torto. Caminho esse que foi longo, levando em consideração que nos conhecemos há anos.
Anos esses que eu não me deixei prestar atenção no sentimento que sentia por ela, talvez porque eu sabia que algo intenso tomaria conta de mim desde o começo e me mantive o mais longe possível. Eu me fiz acreditar que a odiava, mas agora eu percebia que ela me fascinava.
Estando um pouco melhor, eu decidi ir direto para o banho quando eu acordei na sexta feira, mesmo depois de algumas horas mal dormidas. Eu hidratei meu corpo com meu creme favorito, escolhi um uniforme passado e prendi meus cabelos em um coque baixo bem preso. Meu quarto continuava uma bagunça, mas eu não poderia me importar menos e desci depois de ter certeza que meus pais já haviam saído.
Meu irmão estava na cozinha, fazendo alguma coisa na frigideira.
-Bom dia, eu tô fazendo panqueca pra você...- Bruno disse, ele parecia feliz e eu me alegrei, pois nos últimos dias ele andava muito preocupado e eu não via seu sorriso fazia um tempo.
-Hmm, por que? Dia especial? Meu aniversário é só em novembro.- Eu falei curiosa e me sentei na bancada vazia da cozinha, que também não tinha muita coisa exposta, era tudo muito branco.
-Na verdade é sim um dia especial, depois de te deixar na escola eu vou fechar um contrato muito importante...-Ela disse e eu logo imaginei que ele estava falando do seu trabalho.- Do aluguel no nosso apartamento...
-MENTIRA.- Eu gritei, pulando da cadeira alta e indo em direção à meu irmão do outro lado do balcão. Eu não consegui demonstrar minha felicidade de outra maneira que não fosse apertar ele em um abraço, que foi retribuído de maneira generosa.
-Eu falei que ia dar tudo certo. A gente vai sair daqui, pra um lugar bem menor, mas vai ser bom pra você.- Bruno falou, ainda me abraçando e eu tive certeza que meu sorriso deixaria minha bochecha doendo.
-Mas, Bruno, e se ela não deixar eu ir com você? Eu ainda sou menor de idade...- Eu falei assim que a realidade me atingiu.
-Claro que ela vai deixar, Lia. E se ela não deixar eu te espero até novembro, ok?- Meu irmão falou e deu um beijo na minha testa.- Vai dar tudo certo.
***
Física hoje parecia a coisa mais linda já inventada pela humanidade. Eu sabia que só estava completamente inserida na matéria pois estava feliz, mas mesmo assim eu consegui fazer todas as questões que o professor disse que eram matéria de vestibular.
Beatriz notou minha mudança repentina de humor e chegou a perguntar se eu já havia falado com Olivia. Eu contei pra ela sobre a ultima noite e ela me disse que Olivia estava na casa de Davi, pois Gabriela contou. Por um breve momento eu senti uma coisa estranha na barriga, o fato de Gabriela e Beatriz estarem cada vez mais próximas me incomodava somente porque quando foi a minha vez não deu certo.
Eu apoiava minha amiga e se ela estivesse feliz eu também estaria, mas era difícil não desejar o que elas estavam vivendo. Eu as vezes via a maneira que elas sorriam uma para a outra na sala de aula, o que me impressionava pois Gabi era ainda mais fechada que Olivia, e ficava chateada comigo.
-...Então agora eu não sei, ela não deixa eu falar com ela pessoalmente nem por mensagem...- Ei concluí a conversa e olhei para Olivia do outro lado da sala. Sua cabeça estava deitada na mesa, para o lado da parede então eu não conseguia ver seu rosto, mas eu sabia que ela não estava dormindo porque via suas mãos apertando uma a outra debaixo da mesa.Ela girava os anéis em seus dedos e naquele momento o movimento foi atraente demais.
Eu só poderia estar doente...
-Vamos ver quais opções você tem...Primeiro, você tem que ir no bar comigo hoje!- Ela disse eu encolhi o lábios, sabendo que minha mãe reprovaria a ideia.- Você diz que vai dormir na minha casa, o que não vai ser mentira, minha mãe manda mensagem pra sua.
-Eu acho que Olivia não vai me querer lá...- Eu disse e voltei a olhar Olivia na mesma posição de antes.- Aliás, eu tenho certeza que não.
-Mas o bar é frequentado por quem quiser, e ela sabe que eu não posso ir sem você...- Beatriz disse e eu vi ela dando um sorriso pequeno para Gabriela do outro lado da sala.
-Tudo bem, mas como isso vai fazer com que ela escute o que eu tenho para dizer?- Eu perguntei genuinamente e minha amiga virou completamente para trás, ficando cara a cara comigo.
-Por que você não escreve uma carta romântica pra ela? Igual antigamente, você fala que estava errada, pede desculpas e diz que gosta dela.- Bia disse como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Porém, eu realmente considerei sua proposta.-Tava assistindo Anne with an E esses dias...
-Quer saber, eu vou fazer isso sim!- Eu falei e, sem pensar, eu bati na mesa com animação. A sala toda ficou em silêncio e Olivia levantou a cabeça da mesa, ela parecia cansada e me olhou somente por um segundo antes de negar com a cabeça e se deitar de novo.
Eu me convenci de que estava tudo bem. Gostava de me lembrar que se eu consegui fazer ela prestar atenção em mim, eu conseguiria uma segunda vez. Que se foda meu orgulho, eu decidi escrever uma carta expondo o que ela não deixava eu falar. Eu entregaria pra ela depois do show e tudo ficaria bem.
Essa é uma coisa que eu nunca esperei fazer, muito menos em um sentido romântico. Mas diziam que isso fazia parte de gostar de mulher, ter que expor sua parte mais sensível para que a outra se sentisse segura o suficiente para ceder. E agora, essa seria a coisa mais difícil que eu decidi fazer.
Eu cheguei a cogitar fazer uma reza para que desse certo. Eu certamente não estava disposta a ceder por nada.
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A um passo do amor (lésbico)
RomanceAos 17 anos, Cecília Gomez tinha o intuito de aproveitar a vida ao máximo. Sua mãe, não chegando nem perto de ser a melhor, dizia que sua filha era a típica adolescente rebelde. Na escola, Cecília chamava a atenção de todos por conta de sua beleza...