Karol

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A questão é a seguinte: O fato de uma mãe não ser perfeita não deveria importar.
O fato de ela ter cometido um grande e terrível erro no passado, ou então vários errinhos, não deveria importar.
Se quer ver a filha, deveria ter permissão de vê-la, mesmo que apenas uma vez.
Sei por experiência própria que, se você vai crescer com uma mãe imperfeita, é melhor crescer sabendo que sua mãe imperfeita está lutando por você do que sabendo que ela não está nem aí.
Passei dois anos da minha vida, não consecutivos em lares adotivos.
Minha mãe não era viciada nem alcoólatra. Ela simplesmente não era uma mãe muito boa.
Sua negligência foi confirmada quando eu tinha sete anos, e ela me deixou sozinha por uma semana depois que um cara que ela conheceu na concessionária onde trabalhava a convidou para viajar para o Havaí.
Um vizinho percebeu que eu estava sozinha em casa e, apesar de minha
mãe ter me pedido que mentisse caso alguém perguntasse, fiquei com muito
medo de fazer isso quando a assistente social apareceu.
Passei nove meses no programa de acolhimento familiar enquanto minha
mãe tentava reaver seus direitos.
Havia muitas crianças e muitas regras na
família que me acolheu; a casa mais parecia um acampamento de férias
rigoroso, então fiquei aliviada quando minha mãe conseguiu minha guarda
de volta.
Na segunda vez que entrei no programa eu tinha 10 anos.
Eu era a única criança e quem cuidava de mim era uma mulher de uns 60 anos chamada Mona.
Fiquei com ela por quase um ano.
Mona não era exatamente espetacular, mas o simples fato de ela assistir a filmes comigo de vez em quando, preparar o jantar todas as noites e lavar as roupas era mais do que minha própria mãe já havia feito. Mona era bem normal.
Era na dela, não era muito engraçada nem divertida, mas estava presente.
Com ela eu sentia que estava sendo cuidada.
Durante o ano que passei com Mona, percebi que eu não precisava que
minha mãe fosse espetacular, nem mesmo ótima. Só queria que ela fizesse o
mínimo para que o governo não interviesse no seu papel de mãe. Não é
exagero uma criança querer isso da pessoa que lhe deu a vida.
“Apenas faça o mínimo. Me mantenha viva. Não me deixe sozinha.”
Quando minha mãe reobteve minha guarda da segunda vez e precisei deixar a casa de Mona, foi diferente da primeira vez que me devolveram para ela.
Não fiquei animada ao vê-la.
Eu tinha completado 11 anos enquanto estava com Mona e voltei para casa sentindo todas as emoções apropriadas para uma criança de 11 anos que tinha uma mãe como a minha.
Eu sabia que ia voltar para um ambiente em que precisaria me virar sozinha e tomar conta de mim mesma, e não fiquei contente. Estava sendo devolvida a uma mãe que não fazia nem mesmo o mínimo.
Depois disso, nosso relacionamento nunca mais foi o mesmo.
Minha mãe e eu não conseguíamos conversar sem brigar. Depois de alguns anos desse jeito, quando eu tinha uns 14 anos, ela acabou parando de tentar fazer
o papel de mãe e passou a achar que eu tinha me tornado uma inimiga.
No entanto, àquela altura eu já era autosuficiente o bastante e não precisava que minha mãe chegasse duas vezes na semana fingindo que tinha
qualquer tipo de autoridade sobre mim, quando ela não sabia nada da minha
vida nem da pessoa que eu era. Moramos juntas até eu concluir o ensino médio, mas não éramos amigas e não tínhamos nenhuma relação. Quando ela falava comigo, suas palavras eram insultos. Assim, simplesmente acabei parando de falar com ela. Preferia a negligência à agressão verbal.
Quando conheci Agus, fazia dois anos que não ouvia a voz dela.
Pensei que nunca mais falaria com minha mãe novamente, não porque a
gente tivesse se desentendido gravemente, mas porque nossa relação era um fardo e, quando ele chegou ao fim, acho que nós duas nos sentimos livres.
Mas eu não tinha ideia do quanto me sentiria desesperada no futuro.
Tínhamos passado quase três anos sem nos falarmos quando entrei em contato com ela da prisão.
Eu estava desesperada. Estava com sete meses de gravidez, Claudia e Diego já tinham pedido a guarda da bebê, e, devido àduração da minha pena, descobri que eles também tinham pedido a suspensão dos meus direitos maternos.
Eu entendia por que estavam fazendo aquilo. A bebê precisaria ir para algum lugar, e eu achava melhor ela ficar com os Bernasconi do que com qualquer outra pessoa que eu conhecesse, especialmente minha mãe.
Mas descobrir que eles queriam a suspensão dos meus direitos foi apavorante.
Significava que eu jamais poderia ver minha filha. Eu teria zero influência na vida dela, até mesmo após ser solta.
No entanto, como minha pena era muito longa e não havia mais ninguém para quem eu pudesse ceder a guarda da minha filha, precisei entrar em contato com a única parente que talvez pudesse me ajudar.
Pensei que, talvez, se minha mãe tentasse obter o direito de visita como
avó, ao menos eu teria algum controle sobre o que aconteceria com minha filha no futuro. E se minha mãe tivesse o direito de visitar minha filha, talvez ela pudesse trazer a bebê para a prisão depois do nascimento, e assim pelo menos eu poderia conhecê-la.
Quando minha mãe entrou na sala de visita naquele dia, estava com um sorriso presunçoso estampado no rosto.
Não era um sorriso que dizia,
“Que saudade, Karol”. Era um sorriso que dizia, “Não estou nada surpresa com
isso.” Ela estava bonita, ainda assim. Usava um vestido, e seu cabelo tinha
crescido muito desde a última vez que a vira. Foi esquisito enxergá-la pela
primeira vez como uma semelhante, e não mais como uma adolescente.
Não nos abraçamos.
Ainda havia tanta tensão e hostilidade entre nós que não sabíamos como interagir.
Ela sentou-se e apontou para a minha barriga.
- É seu primeiro? Assenti. Ela não pareceu muito empolgada com a ideia de ser avó.
- Pesquisei você no Google. Disse ela.
Foi a maneira dela de dizer “eu li sobre o que você fez”.
Pressionei a unha do polegar na palma da mão para me impedir de dizer algo de que eu fosse me arrepender. Mas todas as palavras que eu queria dizer eram
palavras de que eu me arrependeria, então ficamos em silêncio por um
longuíssimo período enquanto eu tentava resolver por onde começar.
Ela tamborilou os dedos na mesa, ficando impaciente com meu silêncio.
- E então? Por que estou aqui, Karol? Ela apontou para a minha barriga.
- Precisa que eu crie seu filho? Balancei a cabeça. Não queria que ela criasse minha filha. Queria que os pais que criaram um homem como Agus a criassem, mas ao mesmo tempo eu também queria ver minha filha, então, por mais que naquele momento eu quisesse me levantar e me afastar dela, não fiz isso.
- Não. Os avós paternos vão ficar com a guarda. Mas... Minha boca estava seca. Senti meus lábios grudando.
- Queria que você requeresse o direito de visita como avó. Minha mãe inclinou a cabeça.
- Por quê?
A bebê se mexeu naquele momento, quase como se estivesse implorando
para que eu não pedisse que aquela mulher se envolvesse na vida dela.
Me senti culpada, mas não tinha nenhuma outra opção.
Engoli a seco e pus as mãos na barriga.
- Eles querem a suspensão dos meus direitos como mãe, e, se conseguirem, nunca vou poder vê-la. Mas se você tiver direito de visita como avó, poderia trazê-la até aqui para me ver de vez em quando.
Eu falava como se ainda tivesse seis anos: com medo, mas ainda assim
precisando dela.
- São cinco horas de carro. Disse minha mãe. Não entendi o que ela quis dizer com esse comentário.
- Tenho mais o que fazer, Karol. Não
tenho tempo de passar cinco horas num carro toda semana com uma bebê para que ela veja a mãe na prisão.
- Eu... não precisaria ser toda semana. Seria só quando você pudesse.
Minha mãe se mexeu no assento.
Parecia irritada comigo, ou irritada.
Eu sabia que ela se incomodaria com a viagem de carro, mas achei que, depois
de me ver, ela ao menos acharia que valeria a pena fazer o trajeto.
Estava esperando que ela fosse chegar aqui querendo se redimir. Achei que talvez, depois de descobrir que seria avó, ela achasse que poderia ter um recomeço
e que, desta vez, iria realmente tentar.
- Faz três anos que você não me liga, Karol. E agora vem me pedir um favor?
Ela também não me ligou nenhuma vez, mas não menciono isso. Eu sabia que isso só serviria para deixá-la ainda mais irritada. Em vez disso, pedi: - Por favor. Eles vão levar minha bebê embora.
Não vi nada nos olhos da minha mãe. Nenhuma compaixão.
Nenhuma empatia.
Naquele momento, percebi que ela estava feliz por ter se livrado de mim e que não tinha nenhuma intenção de ser avó. Eu já esperava isso; só estava torcendo para que ela tivesse se tornado uma pessoa mais correta nos anos em que eu não a encontrara.
- Agora você vai saber o que senti toda vez que o governo tirou você de mim. Passei por tanta coisa para conseguir pegá-la de volta nas duas vezes, e você não deu nenhum valor.
Nunca nem me agradeceu.
Ela realmente queria que eu agradecesse? Ela queria que eu lhe
agradecesse por ter sido uma mãe tão bosta que o governo me tirou dela
duas vezes?
Naquele momento, me levantei e saí da sala. Ela disse alguma coisa enquanto eu ia embora, mas não consegui ouvi-la porque estava com muita raiva de mim mesma por ter me desesperado a ponto de lhe telefonar. Ela não tinha mudado. Era a mesma mulher egocêntrica e narcisista com quem eu tinha crescido.
Eu estava sozinha.
Completamente.
Nem mesmo a bebê que ainda crescia na minha barriga me pertencia.

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