Ruggero

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Ao longo da noite, enquanto tento me movimentar, sinto as articulações do meu corpo enrijecidas, como se eu estivesse de ressaca. Mas não estou de
ressaca. Estou só... irritado? É isso?
Estou agindo igual a um babaca. Eu sei disso e Gaston também, mas parece que minha maturidade não está conseguindo falar mais alto e assumir o controle.
Há quanto tempo Karol está aqui?
Por quanto tempo os dois ficaram no
apartamento de Gaston? Por que ele pareceu ter sido ríspido comigo?
Por que me importo com isso, porra?
Não sei como lidar com esses sentimentos, então os amasso e tento
deixá-los presos na garganta, no estômago ou onde quer que as pessoas
costumam esconder essas merdas.
Não preciso começar o turno de trabalho
mal-humorado. É o fim da semana de provas. A noite já vai ser agitada o
suficiente.
Ligo a jukebox, e a primeira música que toca é a que sobrou da fila de ontem, “If We Were Vampires”, de Jason Isbell.
Maravilha. Uma música sobre uma história de amor épica.
É exatamente disso que Karol precisa.
Vou para os fundos e percebo que ela está de fone. Pego todas as frutas que costumo fatiar no começo do turno e as levo lá para a frente.
Estou fatiando um limão, provavelmente com um pouco de raiva demais, quando Gaston diz:
- Você está bem?
- Estou. Tento pronunciar a palavra como eu a falaria normalmente, mas não sei
de que jeito eu a falo normalmente, pois Gaston nunca pergunta se estou bem. Eu costumo sempre estar bem.
- Dia difícil? Pergunta ele.
- Dia ótimo.
Ele suspira e estende o braço, tirando a faca da minha mão. Pressiono as palmas no balcão e me viro para olhá-lo. Ele está apoiando-se casualmente no cotovelo, girando a faca com o dedo enquanto me encara.
- Não foi nada. Diz ele. - Ela pegou uma mesa e algumas cadeiras.
A gente passou três minutos lá em cima.
- Eu não disse nada.
- Nem precisava. Ele dá uma risada exasperada. - Que merda, cara. Não imaginei que você fosse ciumento.
Pego minha faca e volto a fatiar os limões.
- Não tem nada a ver com ciúme.
- O que foi então? Pergunta ele.
Estou prestes a responder, provavelmente com alguma mentira, mas a porta se escancara e quatro caras entram no bar. Barulhentos, prontos para comemorar, possivelmente já bêbados. Interrompo nossa conversa e me preparo para um turno que não estou nada a fim de enfrentar.
Depois de oito longas horas, Gaston e eu estamos no beco guardando a mesa e as cadeiras na caçamba da picape. Mal tivemos tempo de pensar esta noite, muito menos de terminar a conversa que começamos mais cedo.
Consigo imaginar Gaston se sentindo atraído por ela. E não conheço Karol muito bem, mas provavelmente estaria desesperada o bastante para grudar em qualquer pessoa que lhe desse uma desculpa para ela continuar na cidade.
Me sinto culpado só de pensar nisso.
- A gente vai conversar sobre essa situação? Fecho a tampa da traseira, coloco uma mão na picape enquanto com a outra pressiono o maxilar. Escolho as palavras com cuidado: - Se você começar a se envolver com ela, ela vai ter uma desculpa para não sair da cidade. E ela só está trabalhando aqui para poder juntar dinheiro e ir embora. Gaston joga a cabeça para trás, como se revirar os olhos não fosse expressar suficientemente a sua irritação.
- Acha que estou tentando ficar com ela? Acha que eu faria isso depois de tudo que você fez por mim?
- Não estou dizendo que você não pode ficar com ela porque estou com ciúme. Preciso que ela saia da cidade para que a vida de Diego e Claudia possa voltar ao normal. Gaston ri.
- Que mentira de merda. Você jogou na NFL. Tem um negócio bem sucedido. Está construindo uma casa absurda, porra. Você não está falido, Ruggero.
Se quisesse que ela fosse embora, teria feito um cheque para se livrar dela de uma vez.
Estou tenso pra caralho, então inclino a cabeça para estalar o pescoço.
- Ela não teria aceitado o dinheiro assim.
- E você sequer tentou? Não precisei. Conheço Karol, e ela não teria aceitado se eu lhe desse o dinheiro.
- Só tome cuidado com ela, Gaston. Ela faria qualquer coisa para poder participar da vida de April.
- Bem, pelo menos quanto a isso a gente concorda. Diz ele, antes de se dirigir à escada do seu apartamento.
Que ele se foda.
Que ele se foda, pois ele tem razão.
Por mais que eu tente negar, não estou agindo assim por temer que Karol passe mais tempo na cidade.
Estou chateado porque a ideia de ela ir
embora me deixa mais apreensivo do que a ideia de ela continuar aqui.
Como foi que isso aconteceu?
Como foi que meu ódio absoluto por essa
mulher se transformou em algo totalmente diferente?
Sou um amigo tão péssimo assim para Agus? Sou tão desleal assim a Diego e Claudia?
Não contratei Karol por querer que ela fosse embora.
Contratei-a porque gosto de estar na sua presença.
Contratei-a porque penso em beijá-la de novo toda vez que minha cabeça encosta no travesseiro à noite.
Contratei-a porque espero que Diego e Claudia mudem de ideia, e quero estar por perto se isso acontecer.

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