Ruggero

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A gatinha dormiu nos braços de Karol a noite inteira.
Talvez seja esquisito, mas gosto de observá-la com Ivy. Karol é carinhosa com ela e sempre confere se Ivy não tem como fugir quando ela não está olhando.
Isso me deixa curioso em relação a como ela vai ser com April, pois tenho certeza de que um dia vou poder testemunhar isso. Talvez a gente demore para chegar lá, mas vou dar um jeito.
Ela merece e April também, e confio mais nos meus instintos do que nas minhas dúvidas.
Eu me mexo silenciosamente enquanto pego o celular para conferir a hora. São quase 7h, e daqui a pouco April vai acordar. Ela vai perceber que minha picape não está lá. Acho melhor tentar chegar em casa antes que eles saiam para a casa da mãe de Diego. No entanto, não quero sair escondido enquanto Karol está dormindo. Eu me sentiria um babaca se ela acordasse sozinha depois da noite de ontem.
Dou um beijo leve no canto da sua boca e depois afasto o cabelo do seu rosto.
Ela começa a se mexer, e solto um gemido, e sei que ela está apenas
acordando, mas os barulhos que ela faz ao acordar são muito parecidos com os que ela faz durante o sexo, e agora não quero ir embora. Nunca mais.
Ela finalmente abre os olhos e me encara.
- Preciso ir embora. Digo baixinho.
- Posso voltar mais tarde? Ela assente.
- Vou estar aqui. Não trabalho hoje.
Ela me beija de boca fechada.
- Mais tarde te dou um beijo melhor, mas quero escovar os dentes primeiro.
Dou uma risada e beijo sua bochecha. Antes de me levantar, nos entreolhamos por um instante, e ela parece estar pensando em algo que prefere não dizer em voz alta. Encaro-a por um momento, esperando-a falar, mas, como ela permanece em silêncio, beijo sua boca mais uma vez.
- De tarde eu volto.
Esperei tempo demais. April e Claudia já estão acordadas e no jardim quando entro na rua. April me vê antes de Claudia, então ela já está correndo pela rua quando paro na frente de casa e desligo a picape.
Escancaro a porta e imediatamente pego-a no colo. Beijo a lateral de sua
cabeça bem na hora em que ela se enrosca em mim e aperta meu pescoço.
Juro por Deus que nada chega aos pés do abraço desta menina.
No entanto, o abraço da mãe dela chega bem perto.
Alguns segundos depois, Claudia chega ao meu jardim. Ela me lança um olhar brincalhão, como se soubesse por que passei a noite fora. Talvez ela pense que saiba, mas não estaria me olhando assim se soubesse com quem eu estava.
-  Você está com cara de quem não dormiu muito. Diz ela.
- Dormi até demais. Que mente suja é essa? Claudia ri e aperta o rabo de cavalo de April.
- Bem, você chegou na hora certa. Ela estava querendo se despedir antes de a gente ir embora. April abraça meu pescoço de novo.
- Não se esqueça de mim. Diz ela, relaxando a mão para eu poder colocá-la no chão.
- Você só vai passar uma noite fora, A. Como é que eu ia te esquecer? April coça o rosto e diz: - Você é velho, e gente velha esquece as coisas.
- Não sou velho. Respondo.
- Espere um minuto, Claudia.
Destranco a porta de casa, vou até a cozinha e pego as flores que comprei para ela ontem pela manhã. Em todos os Dias das Mães e Dia dos Pais, compro alguma coisa para ela e para Diego.
Ela tem sido como uma mãe para mim durante toda a minha vida, então eu provavelmente lhe daria flores mesmo que Agus estivesse aqui.
- Feliz Dia das Mães.
Entrego-as para ela, que parece ficar surpresa e contente. Ela me abraça, mas não escuto seu “obrigada” em meio à tristeza ruidosa que me percorre neste momento.
Esqueci que hoje era o Dia das Mães. Acordei ao lado de Karol hoje e não lhe disse nada. Estou me sentindo um babaca.
- Preciso colocá-las na água antes de sair Diz Claudia.
- Quer ir colocando April no carro para mim? Seguro a mão de April e atravessamos a rua. Diego já está no carro, esperando. Claudia leva as flores para dentro de casa, e eu abro a porta de trás para pôr April no seu assento.
- O que é Dia das Mães? Ela me pergunta.
- É uma data comemorativa. Explico rapidamente, mas Diego e eu nos entreolhamos.
- Eu sei. Mas por que você e o popô deram flores para a vovó de Dia das Mães? Você disse que sua mãe é a Antonella.
- Antonella é a minha mãe. Respondo.
- E sua vovó Bernasconi é a mãe do popô. É por isso que vai vê-la hoje. Mas, no Dia das Mães, se você ama uma mãe, você dá flores para ela mesmo que ela não seja a sua mãe. April franze o nariz.
- Era para eu dar flores para a minha mãe? Ela realmente tem analisado toda a sua árvore genealógica recentemente,
o que é bonitinho, mas também preocupante. Ela vai acabar descobrindo
que sua árvore genealógica já foi atingida por um raio. Diego finalmente se manifesta.
- Você deu flores para a sua vovó ontem à noite, lembra? April balança a cabeça.
- Não. Estou falando da minha mãe que não está aqui. A que tem o carro pequenininho. Não era para a gente dar flores pra ela?
Diego e eu nos entreolhamos de novo. Tenho certeza de que ele está achando que a aflição no meu rosto é resultado do constrangimento com a pergunta de April. Beijo a testa dela bem na hora em que Cláudia volta para o carro.
- Sua mãe vai receber flores. Digo para ela. - Amo você. Diga à sua vovó Bernasconi que mandei um abraço.
April sorri e encosta na minha bochecha com sua mãozinha.
- Feliz Dia das Mães, Ruggero.
Eu me afasto do carro e lhes desejo uma boa viagem.
Porém, enquanto eles vão embora, sinto meu coração ficar cada vez mais pesado à medida que assimilo as palavras de April.
Ela está começando a se perguntar a respeito da mãe.
Está começando a se preocupar.
E, embora Diego tenha presumido que eu queria apenas tranquilizá-la quando disse que a mãe de April receberia flores, na verdade eu estava fazendo a ela uma promessa.
Uma promessa que não vou descumprir.
A ideia de Karol passar o dia inteiro de hoje sem que ninguém reconheça sua maternidade me dá raiva de toda esta situação.
Às vezes quero atribuir essa culpa diretamente a os pais de Agus, mas
também não seria justo. Os dois estão fazendo apenas o que precisam fazer
para sobreviver. É o que é. Uma situação de merda, sem pessoas más para levarem a culpa.
Somos apenas um monte de gente triste fazendo o que precisa ser feito para chegar ao dia seguinte.
Alguns mais tristes do que outros.
Alguns mais dispostos a perdoar do que outros.
Rancor é um sentimento pesado, mas, para as pessoas que mais estão sofrendo, imagino que o perdão seja ainda mais.

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