Ruggero

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Nem entro na minha casa quando volto. Vou direto para a casa de Diego e Claudia e bato à porta.
Nunca houve uma escolha. April sempre será a garota mais importante da minha vida, independentemente do momento ou das outras pessoas. No entanto, isso não significa que não estou dividido pra cacete neste momento.
É Diego quem abre a porta, mas logo Cláudia aparece ao seu lado. Acho que ela está com medo de que aconteça outra briga. Os dois parecem um pouco surpresos ao verem o estado dos meus ferimentos, mas Diego não se desculpa. Nem espero isso dele.
Olho nos olhos dos dois.
- April queria me mostrar a tartaruga dela. A frase é bem simples, mas diz muita coisa. Ela pode ser traduzida
como: “Escolhi Diem. Vamos voltar a como as coisas eram antes.”
Diego me observa por um instante, mas Claudia dá um passo ao lado e
diz: - Ela está no quarto.
É perdão e aceitação, mas não o perdão que eu realmente queria dos dois.
No entanto, eu aceito.

April está no chão quando chego à sua porta. A tartaruga está a uns trinta centímetros dela, e ela está tentando atraí-la com um LEGO verde.
- Essa é sua tartaruga, é? April endireita a postura e abre um sorriso.
- É. Ela a pega e nós dois vamos até sua cama. Eu me sento e me encosto na
cabeceira. Ela engatinha até o meio da cama e me  entrega a tartaruga, depois se acomoda ao meu lado. Coloco o animal na minha perna, e ele começa a andar em direção ao meu joelho.
- Por que o popô bateu em você?
Ela está encarando meu lábio quando faz a pergunta.
- Às vezes os adultos tomam decisões ruins, A. Eu disse uma coisa que o magoou, e ele se chateou. Não é culpa dele. Foi culpa minha.
- Está com raiva dele?
- Não.
- O popô ainda está com raiva?
Muito provavelmente.
- Não. Quero mudar de assunto.
- Qual é o nome da sua tartaruga? Ela a pega e a coloca no colo.
- Ruggero. Dou uma risada.
- Sua tartaruga tem o meu nome?
- Tem. Porque eu amo você.
Ela diz isso com a voz mais meiga, e sinto um aperto no coração. Queria que suas palavras tivessem sido direcionadas a Karol. Beijo o topo da sua cabeça.
- Também amo você, A.
Ponho a tartaruga no aquário, volto para a cama e fico com April até ela pegar no sono. Depois fico um tempinho a mais só para ter certeza de que ela dormiu.
Sei que Diego e Claudia a amam e sei que eles me amam, então a última coisa que eles fariam é separar nós dois.
Eles podem estar com raiva, mas sabem o quanto April me ama, então mesmo que nós três não consigamos nos resolver, sei que sempre serei uma parte importante da vida de April. E enquanto eu estiver em sua vida, vou lutar pelo que é melhor para ela.
Era o que eu devia ter feito o tempo inteiro.
E o melhor para April é ter a mãe participando de sua vida.
Foi por isso que fiz o que fiz antes de sair do apartamento de Karol.

Assim que Karol fechou a porta do banheiro, fechei a porta do apartamento e fingi ir embora. Em vez disso, peguei seu celular.
A senha foi fácil de adivinhar: era o aniversário de April. Abri seu Google Docs, encontrei o arquivo com todas as cartas para Agustin e o enviei para o meu email antes de sair escondido.
Fico no quarto de April e me conecto à rede da impressora deles pelo meu celular. Abro meu e-mail, encontro a carta que Karol leu para mim e pulo todas as outras que ela escreveu para Agus. Já violei demais sua privacidade ao mexer em seu celular e me enviar as cartas.
Não planejo ler nenhuma das outras, a não ser que um dia ela diga que posso.
Hoje só preciso de uma delas.
Coloco para imprimir, fecho os olhos e fico esperando o barulho da impressora no escritório do Diego do outro lado do corredor.
Espero a impressão terminar, saio escondido da cama de April e espero um instante no quarto para garantir que não a acordei. Ela está tendo um sono pesado, então saio de fininho e vou para o escritório. Pego a carta na impressora e confiro se todo o conteúdo foi impresso.
- Me deseje sorte, Agustin. Sussurro.
Quando saio do corredor, ambos estão na cozinha. Cláudia está olhando seu celular e Diego está esvaziando o lava-louças.
Os dois me olham ao mesmo tempo.
- Tenho algo a dizer e realmente não quero gritar, mas se for necessário eu grito. Então acho melhor irmos lá para fora, pois não quero acordar April.
Diego fecha o lava-louças.
- Não queremos ouvir o que você tem a dizer, Ruggero. Ele gesticula em direção à porta. - É melhor ir embora.
Sinto muita empatia por eles, mas temo que eu tenha chegado ao meu limite. Uma onda de calor sobe pelo meu pescoço e tento conter a raiva, mas é bem difícil quando já cedi tanta coisa aos dois. Lembro as palavras que Karol disse logo antes de eu ir embora.
“Por favor, não os odeie.”
- Eu dei minha vida para aquela garotinha. Digo.
- Você me deve isso. Só vou sair da sua casa depois que a gente conversar.
Saio pela porta da frente e fico esperando no jardim.
Um minuto se passa. Talvez dois.
Me sento no terraço. Ou eles vão chamar a polícia, ou vão aparecer aqui fora, ou vão se deitar e me ignorar. Vou ficar esperando até uma dessas três coisas acontecer.
Vários minutos se passam antes que eu escute a porta abrir atrás de mim.
Eu me levanto e me viro. Diego sai da casa só o suficiente para dar espaço a Cláudia na soleira da porta.
Nenhum dos dois parece disposto a ouvir o que estou prestes a dizer, mas preciso falar mesmo assim.
Nunca vai haver um bom momento para esta conversa.
Nunca vai haver um bom momento para
defender a moça que arruinou a vida deles.
Sinto que as palavras que estou prestes a dizer são as mais importantes da minha vida. Queria estar mais preparado.
Karol merece ter mais do que apenas a minha súplica como sua única esperança.
Expiro tremulamente pela boca.
- Toda decisão que faço é pensando em April. Terminei meu noivado com uma mulher que amava porque não tinha certeza se ela seria boa o bastante para aquela garotinha. Isso mostra que a felicidade de April sempre vem antes da minha. Sei que vocês dois sabem disso e sei que estão apenas tentando se proteger da dor causada pelas ações de Karol. Mas vocês estão pegando o pior momento da vida dela e transformando esse momento em quem ela é.
Isso não é justo.
Não é justo com Karol.
Não é justo com April. Talvez não seja justo nem mesmo com Agustín.
Ergo as páginas na minha mão.
- Ela escreve cartas para ele. Para Agus. Há cinco anos que ela faz isso.
Esta aqui é a única que li, mas bastou para que eu mudasse completamente minha opinião a seu respeito.
Faço uma pausa e mudo de ideia.
- Aliás, não é verdade. Eu já tinha perdoado Karol antes mesmo de saber o conteúdo da carta. Mas no segundo em que a leu em voz alta para mim percebi que ela tem sofrido tanto quanto nós.
E estamos matando Karol aos poucos, prologando sua dor. Pressiono minha testa e coloco ainda mais ênfase nas palavras que estou prestes a dizer.
- Estamos impedindo uma mãe de ver a filha. Isso não é certo. Agustín estaria furioso conosco.
Quando paro de falar, há silêncio.
Um silêncio ensurdecedor. É como se
eles nem estivessem respirando. Entrego a carta para Cláudia.
- Vai ser difícil de ler. Mas não estou pedindo para vocês lerem porque estou apaixonado por Karol.
Estou pedindo para lerem porque o filho de vocês estava apaixonado por ela.
Claudia começa a chorar.
Diego continua sem olhar para mim, mas
estende o braço e aproxima a esposa de si.
- Dei a vocês os últimos cinco anos da minha vida. Tudo que estou pedindo em troca são vinte minutos.
Vocês provavelmente nem vão precisar
de tanto tempo para ler a carta.
Depois que lerem e pararem um momento para assimilá-la, nós conversamos. Vou respeitar qualquer decisão que vocês tomarem. Juro.
Mas, por favor, por favor, me deem os próximos vinte minutos. Vocês devem a April a oportunidade de ter mais uma pessoa na vida dela que vai amá-la tanto quanto Agustin a teria amado.
Não lhes dou a chance de discutir nem de me devolver a carta.
Imediatamente me viro, vou até minha casa e entro.
Nem olho pela janela para ver se eles entraram ou se estão lendo a carta.
Estou tremendo de tão nervoso.
Procuro meus pais e os encontro no quintal. Meu pai espalhou alguns itens do trailer na grama e está usando a mangueira para limpá-los.
Minha mãe está sentada no sofá do quintal, lendo um livro.
Me sento ao seu lado.
Ela ergue a vista e sorri, mas, ao ver minha expressão, fecha o livro.
Abaixo a cabeça nas mãos e começo a chorar.
Não consigo evitar.
Parece que a vida de todos que eu amo dependem deste momento, o que é algo
intenso pra caralho.
- Ruggero. Diz minha mãe.
- Ah, meu bem.
Ela põe o braço ao meu redor e me abraça.

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