Karol

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Meus passos tornam-se ligeiramente mais saltitantes quando saio do mercado e avisto a picape de Ruggero no estacionamento.
Ele me vê sair, então vem dirigindo na minha direção. Entro na picape e me aproximo no banco para beijá-lo.
Ele não vira o rosto, então meus lábios
encontram sua bochecha.
Eu me sentaria no meio, mas seu console está abaixado e ele está com uma bebida no porta-copos, então me sento no banco do passageiro e afivelo o cinto.
Ele está de óculos escuros e não me olhou desde que entrei no carro.
Começo a ficar preocupada, mas então ele estende o braço por cima do console e segura minha mão, me tranquilizando. Estava começando a me preocupar achando que ele tinha passado o dia se arrependendo de ontem, mas, pelo modo como aperta minha mão, sinto que ficou feliz em me ver.
Paranoia é algo irritante.
- Adivinha só.
- O quê?
- Fui promovida. Agora sou caixa. Vou ganhar mais dois dólares por hora.
- Que bom, Karol.
No entanto, ele ainda não me olha. Solta minha mão e encosta o cotovelo na sua porta, apoiando a cabeça na mão esquerda enquanto dirige com a direita. Encaro-o por um tempo e me pergunto por que ele parece diferente.
Mais quieto.
Minha boca está começando a ficar seca, então digo: - Posso tomar um gole? Ruggero tira a bebida do porta-copos e me entrega.
- É chá gelado. De umas horas atrás.
Tomo um gole e o encaro o tempo inteiro. Devolvo o chá ao lugar.
- O que houve? Ele balança a cabeça.
- Nada.
- Você conversou com eles? Aconteceu alguma coisa?
- Não foi nada. Diz ele, com a voz rouca devido à mentira. Acho que ele percebeu que não soou convincente, pois, após uma pausa, ele continua.
- Vamos para sua casa primeiro.
Eu me encolho no banco quando ele diz isso. A ansiedade passa por cima de mim como uma onda.
Não insisto para ele contar agora, porque estou com medo de descobrir o que o deixou tão tenso. Fico olhando pela janela o caminho inteiro até meu prédio, com a sensação de que esta é a última vez que Ruggero Pasquarelli vai me
levar para casa.
Ele entra no estacionamento e desliga o motor. Desafivelo o cinto e saio da picape, mas, depois de fechar a porta, percebo que ele ainda está sentado.
Ele encosta o polegar no volante, parecendo absorto em seus pensamentos.
Após vários segundos, finalmente abre a porta e sai.
Dou a volta na picape para ir até ele e observá-lo melhor, mas paro assim
que ficamos frente a frente.
- Meu Deus. Seu lábio está inchado.
Eu me aproximo depressa enquanto ele puxa os óculos escuros para o topo da cabeça. É então que vejo o olho roxo. Tenho medo de perguntar, então digo, timidamente.
- O que aconteceu?
Ele se aproxima de mim e põe o braço nos meus ombros, puxando-me para perto e apoiando o queixo no topo da minha cabeça. Por um instante, apenas me acomoda em seu corpo, depois me dá um beijo leve no lado da minha cabeça.
- Vamos lá para dentro.
Ele entrelaça a mão na minha e subimos a escada.
Quando entramos no meu apartamento, mal fecho a porta antes de lhe perguntar outra vez:
- O que aconteceu, Ruggero?
Ele se encosta no balcão e segura minha mão. Puxa-me para perto e faz carinho no meu cabelo, olhando para mim.
- Eles viram minha picape aqui de manhã.
A migalha de esperança que eu tinha pela manhã imediatamente se dissipa.
- Ele bateu em você?
Ruggero assente, e preciso me afastar e me recompor, porque estou nauseada. Quero chorar, pois Diego deve ter ficado realmente muito furioso para bater em alguém. Pela maneira como Agus e Ruggero falaram dele, Diego não me parece o tipo de pessoa que perde a cabeça com facilidade.
O que significa que... eles me odeiam.
Os dois me odeiam tanto que a ideia de Ruggero comigo fez um homem calmo, normalmente gentil, surtar.
Eu tinha razão. Eles vão obrigá-lo a fazer uma escolha.
O pânico começa a se espalhar do meu peito para todas as outras partes do meu corpo. Tomo um gole de água e pego Ivy, que estava miando nos meus pés.
Faço carinho nela, tento me consolar com sua presença: ela é minha única constante no momento, pois a história está acabando exatamente como eu previa. Sem nenhuma reviravolta.
Vim para cá com um objetivo, que era tentar estabelecer um relacionamento com os Bernasconi e com minha filha. Mas os dois demonstraram que não é isso o que querem.
Talvez eles não consigam lidar
emocionalmente com esse cenário.
Ponho Ivy de novo no chão e cruzo os braços na frente do peito.
Nem consigo olhar para Ruggero quando lhe pergunto: - Eles pediram que você parasse de me ver?
Ele expira, e seu suspiro é tudo que preciso saber. Tento manter a calma, mas só quero que ele vá embora.
Ou talvez seja eu que precise ir embora.
Deste apartamento, desta cidade, deste estado. Quero ir para o mais longe possível da minha filha, pois quanto mais perto chego de April sem poder vê-la, mais me sinto tentada a simplesmente ir até a casa deles e pegá-la.
Estou tão desesperada que, se eu passar muito tempo a mais aqui, posso acabar tendo uma atitude impensada.
- Preciso de dinheiro.
Ruggero me olha como se não tivesse entendido a pergunta, ou como se não conseguisse compreender o motivo por trás do meu pedido.
- Preciso me mudar, Ruggero. Posso te pagar de volta, mas preciso ir embora e não tenho dinheiro o bastante para arranjar um lugar novo para morar.
Não posso ficar aqui.
- Espera aí. Diz ele, dando um passo na minha direção.
- Você vai embora? Vai desistir?
As palavras que ele escolhe me deixam com raiva.
- Eu diria que tentei pra cacete. Eles têm uma medida protetiva contra mim, eu não chamaria isso de desistir.
- E a gente? Você vai simplesmente ir embora?
- Não seja babaca. Isso é mais difícil para mim do que para você. E, no fim das contas, pelo menos você vai ficar com April.
Ele segura meus ombros, mas desvio o olhar, e ele põe uma mão em cada lado da minha cabeça. Inclina meu rosto e faz com que eu me concentre nele.
- Karol, não. Por favor. Espere algumas semanas. Vamos ver o que acontece.
- A gente sabe o que vai acontecer. Nós dois vamos continuar nos encontrando às escondidas e vamos nos apaixonar, mas eles não vão mudar de ideia e vou ter que ir embora do mesmo jeito, mas doeria bem mais daqui a algumas semanas do que se eu fosse embora logo, de uma vez. Vou até meu armário e pego minha mala. Abro-a, jogo-a em cima do colchão inflável e começo a jogar minhas coisas dentro. Posso pegar um ônibus até
a cidade mais próxima e ficar num hotel até resolver para onde ir.
- Preciso de dinheiro. Repito.
- Eu te pago de volta todos os centavos,
Ruggero. Prometo. Ele vem até mim com o passo firme e fecha minha mala.
- Pare. Me faz virar para ele, me puxa para perto e me abraça.
- Pare. Por favor.
Já ficamos juntos por tempo demais. Isso já dói muito.
Pressiono as mãos na sua camisa e a agarro, com os punhos cerrados.
Começo a chorar.
Não suporto a ideia de não estar perto dele, de não ver seu sorriso, de não sentir seu apoio. Já estou com saudade, apesar de ainda estar bem aqui nos seus braços. No entanto, por mais que a ideia de deixá-lo me faça sofrer, acho que, na verdade, minhas lágrimas são pela minha filha.
Sempre são por ela.
- Ruggero. Murmuro seu nome, afasto a cabeça do seu peito e olho para ele.
- A única coisa que você pode fazer no momento é ir até lá e se desculpar. April precisa de você. Por mais que isso doa, se eles não conseguem superar o que lhes causei, não cabe a você consertar o que está quebrado dentro deles.
Seu papel é apoiá-los, e você não vai conseguir fazer isso se eu estiver na sua vida. Ele tensiona a mandíbula.
Parece estar se segurando para não chorar, mas, ao mesmo tempo, parece saber que estou certa. Ele se afasta de mim e abre a carteira.
- Quer meu cartão de crédito? Pergunta ele, tirando-o.
Ele também pega várias notas de vinte. Parece estar bem chateado, furioso e frustrado enquanto tira o que tem na carteira. Joga o cartão e o dinheiro no balcão, aproxima-se de mim, beija minha testa e vai embora.
Ao sair, bate a porta.
Me inclino para a frente e encosto os cotovelos no balcão.
Seguro minha cabeça com as duas mãos e choro ainda mais intensamente, pois estou com raiva por ter me permitido ficar esperançosa.
Faz mais de cinco anos. Se fossem me perdoar, já teriam feito isso.
Eles simplesmente não são de perdoar.
Há pessoas que encontram paz no perdão, e há outras que o encaram
como uma traição.
Para Diego e Claudia me perdoar seria como trair o próprio filho. Só posso esperar que algum dia eles mudem de ideia, mas até lá minha vida é esta.
E ela me trouxe até aqui.
É aqui que eu recomeço. Outra vez.
E vou ser obrigada a fazer isso sem
Ruggero, sem seu apoio, sem ele acreditando em mim.
Agora estou aos prantos, mas consigo ouvir a porta do apartamento quando ela se escancara.
Ergo a cabeça enquanto ele bate a porta e atravessa o apartamento. Ele me ergue e me põe em cima do balcão para ficarmos frente a frente, em seguida me beija com um desespero triste, como se fosse o último beijo que ele fosse me dar na vida.
Após interromper o beijo, ele me olha com determinação e diz: - Vou ser a melhor pessoa possível para a sua filha. Prometo. Darei a ela a melhor vida e, quando ela perguntar sobre a mãe, vou dizer o quanto você é maravilhosa. Vou fazer questão que ela cresça sabendo o quanto você a ama.
Estou arrasada pra cacete agora, pois vou sentir tanta, tanta saudade dele.
Ele pressiona a boca inchada na minha, e eu o beijo delicadamente, porque não quero machucá-lo. Então nossas testas se encostam. Ele parece estar tendo dificuldade para manter a compostura.
- Me desculpe por não ter conseguido fazer mais por você. Ele começa a recuar, afastando-se, e dói tanto vê-lo ir embora que fico encarando o chão.
Tem alguma coisa debaixo dos meus pés. Parece um cartão de visita, então saio do balcão e o pego. É o cartão de fidelidade das raspadinhas. Deve ter caído da sua carteira quando ele tirou tudo dela.
- Ruggero, espere. Encontro-o na porta e lhe entrego o cartão.
- Precisa levar isto aqui. Digo, fungando para não chorar.
- Está quase ganhando a raspadinha de brinde. Ele ri em meio à dor e pega o cartão. Mas depois franze a testa e a
encosta na minha.
- Estou com tanta raiva deles, Karol. Não é justo.
Não é. Mas não é algo que está nas nossas mãos. Beijo-o uma última vez, aperto sua mão e dirijo a ele um olhar de súplica.
- Não os odeie. Tudo bem? Eles estão proporcionando uma vida boa à minha filhinha. Por favor, não os odeie.
Ele mal reage, mas ainda assim assente. Quando ele solta minha mão, não quero vê-lo ir embora, então vou para o meu banheiro e fecho a porta.
Alguns segundos depois, ouço a porta do meu apartamento se fechar.
Deslizo até o chão e caio em prantos

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