Karol

66 8 1
                                    


Escuto seus passos atrás de mim, mas isso me faz andar ainda mais rápido, subir a escada e entrar no apartamento. Ponho minhas coisas no balcão, e Ruggero para no batente da porta.
Seguro a borda do balcão ao lado da pia e fico assimilando o que ele acabou de dizer. Então me viro para ele, com a distância do cômodo entre nós.
- Agustin era a melhor coisa que tinha acontecido na minha vida. Não é que eu não estivesse arrependida; eu estava arrasada demais para conseguir falar.
O defensor público disse que eu precisava escrever uma declaração, mas fazia semanas que eu  não conseguia dormir.
Não consegui escrever uma única palavra. Meu cérebro, ele estava... Ponho a mão no peito.
- Eu estava destruída, Ruggero.
Precisa acreditar nisso. Destruída demais até mesmo para me defender ou para me importar com a minha vida.
Eu não estava indiferente; eu estava inconsolável.
E lá vêm elas de novo. As lágrimas. Cansei de lágrimas, porra.
Dou as costas para Ruggero, pois tenho certeza de que ele também se cansou.

Escuto minha porta fechar.
Ele foi embora? Eu me viro, mas Ruggero está dentro do apartamento.
Está se aproximando devagar, e depois se encosta no balcão, perto de mim.
Ele cruza os braços na frente do peito, cruza as pernas na altura dos tornozelos e fica apenas encarando o chão em silêncio por um instante.
Pego no balcão o lenço que eu estava usando antes. Ruggero olha para mim.
- Isso seria bom para quem? Pergunta ele.
Espero uma explicação, pois não sei o que ele está me perguntando.
- Não seria bom para Diego e Claudia dividirem com você a guarda de April. Não sei se eles seriam capazes de lidar com o nível de estresse que isso causaria. E April... isso seria bom para ela? Porque, neste momento, ela não faz ideia de que tem alguém faltando em sua vida.
Ela tem duas pessoas que já considera como pais, e todos os parentes deles que a amam.
Ela também tem a mim.
E se você tivesse permissão de visitá-la, sim, talvez ela desse valor a isso quando fosse mais velha.
Mas agora... e não estou sendo uma pessoa detestável, Karol... mas você transformaria a existência tranquila que eles trabalharam duro para construir desde a morte de Agus.
O estresse que sua presença causaria em Diego e Claudia seria sentido por April, por mais que eles tentassem esconder dela. Então... sua presença na vida de April seria boa para quem? Tirando você mesma?
Sinto meu peito apertar após ouvir suas palavras. Não por estar com raiva dele por tê-las dito, mas por temer que ele tenha razão.
E se for melhor para ela eu não fazer parte de sua vida? E se minha presença acabar sendo uma mera intrusão?
Ruggero conhece Diego e Claudia melhor do que ninguém, e se ele diz que minha presença vai alterar a dinâmica boa que eles construíram, quem sou eu para argumentar?
Eu já temia tudo o que ele acabara de dizer, mas o fato de as palavras terem vindo de sua boca me causa dor e vergonha. Mas ele está certo.
Minha presença aqui é um egoísmo.
Ele sabe disso. Eles sabem disso.
Não estou aqui para preencher algum vazio na vida da minha filha.
Estou aqui para preencher um vazio na minha vida.
Pisco os olhos para conter as lágrimas e expiro para me acalmar.
- Sei que não devia ter voltado pra cá. Você tem razão.
Mas não posso simplesmente ir embora. Gastei tudo que eu tinha para chegar aqui e agora estou emperrada.
Não tenho para onde ir nem dinheiro para chegar a lugar nenhum, pois o trabalho no mercado é só meio período.
A empatia reaparece em sua expressão, mas ele permanece em silêncio.
- Se eles não me querem aqui, eu vou embora. Só preciso de um tempo,
porque não tenho dinheiro, e todas as empresas da cidade me rejeitaram por
conta do meu passado.
Ruggero se afasta do balcão.
Entrelaça as mãos atrás da cabeça e dá alguns passos. Não quero que pense que estou pedindo dinheiro. Esse seria o resultado mais humilhante dessa conversa.
No entanto, se ele me oferecesse dinheiro, não tenho certeza se recusaria. Se eles querem tanto que eu vá embora a ponto de pagar por isso, eu desisto, porra. E vou embora.
- Posso te dar oito horas nas noites de sexta e de sábado.
Ele parece se arrepender da proposta assim que ela sai de sua boca.
- É só trabalho na cozinha, basicamente lavar louça. Mas precisa ficar nos fundos. Ninguém pode saber que você trabalha no bar. Se os Bernasconi descobrem que estou te ajudando...
Percebo que ele está me oferecendo essa oportunidade para que eu deixe a cidade mais rápido. Ele não está me fazendo nenhum favor; está fazendo um favor para Cláudia e Diego. Mas tento não pensar nos motivos.
- Não vou contar pra ninguém. Respondo rapidamente.
- Eu prometo.
A expressão de hesitação estampada no rosto de Ruggero demonstra arrependimento.
Parece que ele está prestes a dizer deixa pra lá, então digo logo um obrigada antes que ele possa voltar atrás.
- Na sexta e no sábado, eu saio do trabalho às 16h. Posso chegar lá às
16h30. Ele faz que sim e depois responde:
- Entre pela porta dos fundos.
E se alguém perguntar, diga que seu
nome é Ana. É o que vou dizer aos outros funcionários.
- Tudo bem.
Ele balança a cabeça como se tivesse acabado de cometer o maior erro de sua vida, depois se dirige à porta do apartamento.
- Boa noite. Diz ele, secamente.
Depois ele fecha a porta.
Ivy está se esfregando nos meus tornozelos, então me abaixo e a pego no
colo. Aproximo-a do meu peito e faço carinho nela.
Pode ser que Ruggero tenha me oferecido o trabalho só para que eu saia
da cidade, mas me sento no sofá sorrindo, pois hoje pude ver o rosto da
minha filha. Por mais que o resto do dia tenha sido deprimente, finalmente
consegui um pedaço de algo que eu pedia há cinco anos.
Pego meu caderno e escrevo a carta mais importante que já escrevi para Agus.

Querido Agus,

Ela se parece conosco, mas ri como você.
Ela é perfeita de todas as maneiras.
Sinto demais por você não tê-la conhecido.

Com amor,
Kenna.

Meu Recomeço Onde histórias criam vida. Descubra agora