Ruggero

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Estou no meu escritório fazendo a folha de pagamentos, processando meus
pensamentos e todos os erros que cometi nas últimas semanas.
Gaston tinha razão quando disse que eu poderia ter dado dinheiro a Karol se realmente quisesse que ela fosse embora. Talvez eu realmente devesse ter feito isso, porque, quanto mais tempo passo com ela, mais lhe dou falsas esperanças.
Os Bernasconi não vão mudar de ideia nem tão cedo a respeito de aceitá-la.
E se ela permanecer aqui e continuar trabalhando, nós dois correremos o risco de sermos descobertos.
Não sei o que eu tinha na cabeça quando a contratei. Achei que ela poderia se esconder nos fundos, mas não dá para esconder uma garota como Karol. Ela chama atenção. Alguém vai percebê-la. Alguém vai reconhecê- la.
E então nós dois enfrentaremos as consequências desta mentira.
Pego meu celular e lhe envio uma mensagem. Passe no meu escritório
quando tiver um segundinho.
Me levanto e fico andando de um lado para o outro durante os trinta segundos que ela leva para chegar.
Fecho a porta atrás dela, vou até minha
escrivaninha e me sento na beirada.
Ela fica em pé perto da porta, de braços cruzados. Parece nervosa.
Eu não queria deixá-la assim. Aponto para a cadeira na minha frente, Karol se
dirige hesitantemente até ela e se senta.
- Assim parece que estou encrencada. Diz ela.
- Não, não. Eu só... estava pensando. No que você ouviu Gaston dizer. E acho que eu devia informá-la de que não precisa mais vir trabalhar. Ela parece surpresa.
- Estou sendo demitida?
- Não, é óbvio que não. Inspiro, me preparando para a franqueza que estou prestes a expressar.
- Nós dois sabemos que te contratei por
motivos egoístas, Karol. Se em algum momento você quiser sair da cidade
e estiver precisando de dinheiro, é só me pedir. Não precisa trabalhar para isso.
Ela me olha como se eu tivesse acabado de lhe dar um soco no estômago. Levanta-se e começa a andar de um lado para o outro enquanto assimila esta conversa.
- Você quer que eu saia da cidade?
Porra. Chamei-a até aqui para tentar facilitar sua vida, mas estou dizendo tudo errado. Balanço a cabeça.
- Não.
Estendo o braço e ponho meus dedos ao redor do seu pulso a fim de que ela pare de andar.
- Então por que está me dizendo isso?
Eu poderia lhe dar várias razões. Porque você precisa saber que existem outras opções. Porque, se ficar aqui, alguém vai acabar te reconhecendo.
Porque, se continuarmos trabalhando juntos, vamos destruir o que restou do nosso frágil limite.
No entanto, não digo nada disso. Apenas a encaro atentamente enquanto roço o polegar em seu pulso.
- Você sabe o porquê.
Seu peito sobe e desce enquanto ela dá um suspiro.
Mas depois ela afasta bruscamente a mão da minha ao ouvir uma batida
repentina à porta do escritório.
Me empertigo na mesma hora, e Karol
cruza os braços por cima do peito. Nossas reações nos fazem parecer
realmente culpados neste momento.
Mary Anne está parada na porta, alternando o olhar entre nós dois.
Ela sorri e diz: - O que foi que acabei de interromper? Uma avaliação de funcionário? Dou a volta na minha escrivaninha e finjo estar ocupado com a tela do computador.
- Do que está precisando, Mary Anne?
- Bem. Agora estou achando que é o momento errado para mencionar isso, mas Valentina está aqui. A mulher com quem você se casaria hoje. Ela está lá na frente, perguntando por você.
Preciso de todas as minhas forças para não olhar Karol e conferir sua reação.
De alguma maneira, consigo manter o foco em Mary Anne.
- Diga a ela que já vou descer.
Mary Anne afasta-se da porta, mas a deixa aberta. Karol vai imediatamente atrás dela, sem olhar para mim.
Estou confuso, pois por que Valentina estaria aqui? O que ela poderia querer?
Será que ela está sentindo mais a data de hoje do que eu?
Porque eu mal pensei no assunto. Acho que isso prova que foi a decisão certa, pelo menos para mim.
Saio do meu escritório, mas preciso passar por Karol enquanto me dirijo à frente do bar. Nos entreolhamos por dois segundos antes de ela desviar a vista.

Saio da cozinha e passo os olhos pelo bar, mas não vejo Valentina de imediato.
Está bem mais lotado agora do que quando fui para o escritório cuidar da folha de pagamento, então dou uma olhada por um momento antes de ir para trás do balcão. Mary Anne está do outro lado do bar, então não posso lhe perguntar para onde Valentina foi.
Gaston me vê e aponta para um grupo de rapazes.
- Ainda não anotei o pedido deles.
- Cadê Valentina? Gaston parece confuso.
- Valentina? O quê? Mary Anne está se aproximando. Ela sorri e se inclina por cima do balcão ao chegar perto de mim. -Gaston Roman estava ficando sobrecarregado e pediu que eu te chamasse. Era brincadeira a história da Valentina. Estava só tentando criar um drama, pois garotas adoram isso.
De nada.
Ela pega uma bandeja cheia de bebidas e se dirige a uma mesa para entregá-las.
Balanço a cabeça, confuso. Estou irritado com a mentira, pois agora Karol deve estar pensando em mil coisas diferentes. Mas também estou aliviado por ela ter mentido. Eu não queria ver Valentina.
Levanto, anoto alguns pedidos e fecho três contas, mas, assim que Gaston consegue assumir tudo, volto para os fundos. Karol não está na cozinha. Procuro-a, mas Aaron aponta para a porta, indicando que ela está no intervalo.
Quando abro a porta que dá para o beco, vejo Karol recostada na parede, os braços cruzados na frente do peito. Ela me olha assim que saio, e vejo uma onda imediata de alívio tomar conta do seu rosto.
Ela estava com ciúme.
Tenta disfarçar com um sorriso forçado, mas vi a expressão no seu rosto antes de ela conseguir escondê-la.
Eu me aproximo e me encosto na parede, assim como ela.
- Era mentira de Mary Anne. Valentina não está aqui, ela inventou isso.
Ela semicerra os olhos, confusa.
- Por que ela...? Karol para de falar, e um sorrisinho se abre nos seus lábios. -Caramba. Mary Anne gosta de uma treta. Ela não parece estar zangada por Mary Anne ter mentido.
Parece impressionada.
Vê-la sorrindo me faz sorrir também, e depois digo: - Você estava com ciúmes.
Karol revira os olhos.
- Não estava.
- Estava, sim.
Ela se afasta da parede e se dirige à escada, mas para bem na minha frente. Ela vira o rosto para mim, e não sei o que sua expressão significa.
Não sei o que ela está prestes a fazer, mas se ela tentasse me beijar, eu ganharia a noite, porra.
Cansei desse vaivém com ela.
Cansei de escondê-la.
Eu daria de tudo para poder conhecê-la melhor sem me preocupar com as
consequências, para poder lhe fazer perguntas que não tivessem nada a ver
com Agua ou com os Bernasconi.
Quero beijá-la em público, quero levá-la
para casa comigo, quero saber como é dormir e acordar ao seu lado.
Gosto dela pra caralho, e, quanto mais o tempo passa, mais eu não quero me separar dela.
- Queria dar meu aviso prévio de duas semanas. Diz ela.
Merda. Mordo meu lábio até ter certeza de que não vou cair de joelhos e implorar para que ela fique.
- Por quê?
Ela hesita e depois diz: - Você sabe o porquê.
Então desaparece depois de entrar, e eu me sento com meus sentimentos de merda.
Fico encarando minha picape com uma vontade imensa de ir direto para a casa de Diego e Claudia e lhes contar tudo sobre Karol.
Quero contar o quanto ela é altruísta. Quero contar o quanto ela é trabalhadora. Quero contar o quanto ela é tolerante, pois todos nós temos infernizado sua vida, e mesmo assim ela não parece se ressentir de nenhum de nós.
Quero contar a eles tudo o que Karol tem de maravilhoso, mas, acima de tudo, quero contar a Karol o quanto errei quando lhe disse que não seria bom para April tê-la em sua vida.
Quem sou eu para dizer isso a uma mãe sobre sua própria filha?
Porra, quem sou eu para fazer esse tipo de julgamento?

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