Ruggero

70 10 1
                                    


Os braços de April estão ao redor do meu pescoço enquanto a carrego nas costas pelo estacionamento, indo na direção do carro de Claudia. A partida de beisebol acabou agora, e April me obrigou a carregá-la porque disse que estava sentindo um cansaço da borra nas pernas.
- Quero ir para o trabalho com você. Diz ela.
- Você não pode. Crianças não podem entrar em bares.
- Eu entro no seu bar com você de vez em quando.
- Sim, quando está fechado. Explico.
- Isso não conta. Vamos abrir hoje à noite, o bar vai estar movimentado e não vou poder ficar de olho em você.
Sem falar que a mãe dela, que April nem sabe que existe, vai estar lá.
- Pode trabalhar comigo quando completar 18 anos.
- Mas isso é daqui a muito, muito, muito tempo. Você vai estar morto.
- Ei. Diz Claudia, na defensiva.
- Sou bem mais velha do que Ruggero e não planejo estar morta quando você completar 18 anos. Coloco April no assento de elevação.
- Que idade vou ter quando todo mundo morrer?
- Ninguém sabe quando alguém vai morrer. Digo para ela. - Mas se todos nós vivermos muito, passaremos a velhice juntos.
- Qual vai ser a minha idade quando você tiver 200 anos?
- Você vai ter morrido. Digo.
Seus olhos se arregalam, e balanço a cabeça na mesma hora.
- Todos nós vamos ter morrido. Ninguém chega aos 200 anos.
- Minha professora tem 200 anos.
- A Sra. Bradshaw é mais nova do que eu. Diz Claudia do banco da frente.
- Pare de mentir. April inclina-se para a frente e sussurra: - A Sra. Bradshaw tem mesmo 200 anos.
- Eu acredito em você. Beijo-lhe o topo da cabeça. - Jogou muito bem hoje. Amo você.
- Também amo você. Quero ir trabalhar com... Fecho a porta de April antes que ela complete a frase.
Não costumo apressá-las assim, mas, enquanto andávamos pelo estacionamento, recebi uma mensagem de Karol.
Tudo que dizia era: “Por favor, venha me buscar.” Ainda não são 16h. Ontem, quando perguntei, ela disse que não
precisaria de carona, então me preocupei assim que vi a mensagem.
Chego à minha picape enquanto Claudia e April estão indo embora.
Diego não pôde vir ao jogo hoje porque está montando o playground. Eu estava planejando passar algumas horas em casa para conferir o progresso da tarefa e ajudá-lo antes de ir para o bar, mas agora estou a caminho do mercado para ver como Karol está.
Quando chegar lá, mando uma mensagem para Diego avisando que não
vou conseguir passar em casa. Estamos quase terminando o playground. O
aniversário de April está chegando, o que significa que hoje seria o grande
dia: o meu casamento com Valentina. Estávamos planejando ir para o Havaí
uma semana depois, e lembro que me estressei porque perderíamos a festa
de aniversário de April.
Isso foi mais um ponto de atrito entre Valentina e eu. Ela não gostou de ver que eu considerava o quinto aniversário de April quase tão importante quanto a nossa lua-de-mel.
Com certeza Diego e Claudia teriam aceitado alterar a data da festa, mas
Valentina agiu como se o quinto aniversário de April fosse totalmente
incompatível com a nossa lua-de-mel antes mesmo de pedir para eles mudarem a data da festa, e isso acabou se tornando o primeiro de muitos alertas.
Depois que terminamos, dei a viagem para o Havaí de presente para Valentina. Já estava paga, mas não sei se ela ainda vai. Espero que sim, mas faz três meses que nem nos falamos. Não faço a mínima ideia do que está acontecendo em sua vida agora. Não que eu queira saber; mas é estranho estar envolvido com todas as facetas de outro ser humano e de repente não saber de mais nada.
Também é estranho achar que você conhece uma pessoa e depois perceber que talvez você não a conheça de verdade. Foi o que senti com Valentina, e é o que estou começando a sentir com Karol, mas de um jeito diferente.
Com Karol, acho que eu tinha uma opinião negativa demais a seu respeito no início. Com Valentina, acho que eu tinha uma opinião positiva demais.
Eu provavelmente devia ter mandado uma mensagem para Karol avisando que estou a caminho, pois a avisto caminhando sozinha no acostamento a cerca de meio quilômetro do mercado. Ela está cabisbaixa, com as duas mãos segurando a alça da ecobag que pende do ombro. Paro do lado oposto da pista, mas ela nem percebe minha picape, então aperto a buzina e isso chama sua atenção. Ela olha para os dois lados, atravessa e entra na picape.
Ela solta um forte suspiro após fechar a porta. Está com cheiro de maçã, o mesmo que senti ontem à noite na porta do seu apartamento.
Eu devia é me dar um soco por ontem, porra. Ela solta a bolsa entre nós dois e tira de dentro um envelope. Empurra-o
na minha direção.
- Eu recebi. A medida protetiva. Uma pessoa me entregou enquanto eu estava saindo do mercado para guardar as compras no carro de um cliente.
Foi humilhante, Ruggero.
Leio os formulários e fico confuso sem saber como é que um juiz concedeu a medida, mas então vejo o nome de Grady e tudo faz sentido. Ele deve ter defendido Diego e Claudia e talvez tenha até embelezado um pouco a verdade. Ele é assim. Aposto que sua esposa está adorando; fico até surpreso por ela não ter mencionado o assunto hoje, no campo. Dobro o envelope e o guardo na bolsa dela.
- Isso não significa nada. Digo, tentando consolá-la com a minha mentira.
- Isso significa tudo. É uma mensagem. Eles querem me avisar que não vão mudar de ideia. Ela afivela o cinto. Suas bochechas e seus olhos estão vermelhos, mas ela não está chorando. Parece que já chorou e eu só cheguei depois.
Retorno à pista me sentindo pesado.
O que eu disse ontem à noite sobre
me achar inútil... essa é a palavra mais precisa para o que estou sentindo
agora. Não posso ajudar Karol mais do que já estou ajudando.
Diego e Claudia não vão mudar de ideia, e, sempre que tento abordar o assunto, eles ficam imediatamente na defensiva.
É difícil, pois concordo com o motivo pelo qual eles não querem Karol por perto, mas também discordo veementemente.
Eles prefeririam me tirar da vida de April a aceitar incluir Karol nela.
É isso que mais me amedronta. Se eu insistir demais no assunto, ou se eles
descobrirem que estou do lado de Karol, mesmo que vagamente, temo que eles comecem a me ver como uma ameaça, assim como eles veem a ela.
A pior parte é que eu consigo entender o que eles sentem em relação a ela.
O impacto das escolhas dela prejudicou a vida deles; no entanto, o impacto das escolhas deles está começando a prejudicar a vida dela.
Porra. Não existe uma resposta boa.
De alguma maneira, submergi nas
profundezas de uma situação impossível. Uma que não tem uma única solução que não faça ninguém sofrer.
- Quer tirar folga do trabalho hoje?
Entendo totalmente se ela não estiver no clima para trabalhar, mas ela balança a cabeça.
- Preciso do dinheiro. Vou ficar bem. Foi só vergonhoso, mesmo sabendo que isso iria acontecer.
- Pois é, mas imaginei que Grady fosse fazer a gentileza de te entregar a medida na sua casa. Não é como se seu endereço não estivesse no cabeçalho da solicitação. Viro à direita no próximo semáforo para ir até o bar, mas algo me diz que Karol está precisando de uma horinha antes de trocar de um trabalho para o outro.
- Quer tomar uma raspadinha?
Não sei se isso é uma solução idiota para um problema tão sério, mas raspadinhas são sempre a resposta para mim e para April.
Karol faz que sim, e acho que vejo até um sorriso se insinuando.
- Quero. Eu ia adorar uma raspadinha.

Meu Recomeço Onde histórias criam vida. Descubra agora