Eu acho que isso não vai dar certo.
É o que penso, e não entendo por que votei para ir. Agora que estou na rua, num frio de tremer os ossos, quero voltar. Mas é claro que não farei isso. Não vou sair de medrosa para os tapados dos amiguinhos dos meus irmãos. Eu vou. Bem, na verdade, eu já estou indo. A faladeira de Will me deixa nervosa, mas a cara de assustada de Luize mais ainda. Nem sei o que estamos fazendo na rua uma hora dessas! Tinha que ser ideia do descerebrado do meu irmão, é claro. Puxo Luize para mais perto de mim e a abraço, para nos aquecer.
— Incrível, não? — Stive ri. — Estamos fugindo de casa!
Reviro os olhos.
— Claro que não, seu tapado. — Annabely diz o que eu estava pensando em dizer.
— Só estamos buscando diversão. — completa Hellena.
— Diversão? — pergunta Amélia, como se não tivesse ouvido. — Nesse frio e no meio da noite?
— Exato. — diz Hellena. —Só estamos buscando adrenalina.
— Isso mesmo, Hellena, adrenalina! — Diz Will empolgado, e embora não esteja vendo os seus olhos, sei que brilham de entusiasmo, como acontece todas as vezes que faz algo que julga ser emocionante.
Nós moramos em um lugar rural, sem muitas casas ou tráfego. A rua não possui pavimento, sequer uma calçada, e é comum passarmos por muros altíssimos e, logo após, cercas de arame farpado protegendo um pasto deserto. O que não falta é o ruído do rio deslizando suavemente, o cheiro de damas-da-noite e o verde das árvores e plantas diversas em vários locais. Descendo a rua, pegamos um impulso maior que antes, o que serviu de motivação para que Hellena seguisse saltitando com Will correndo atrás dela, um claro sinal de liberdade — eu faria o mesmo, mas o frio já começou a congelar minhas articulações. Com Luize grudada em mim, avanço até estar mais próxima de Dianna, vendo Junior de soslaio praguejando baixinho com a irmã.
— Adrenalina. — Bufa ele — Para mim isso tudo é fogo no...
— Júnior! — ralha Amélia.
Ele ergue as mãos em rendição antes de metê-las nos bolsos. Percebendo minha deixa, pigarreio.
— Também acho que deveríamos voltar.
As palavras espiralam no ar até desaparecer. Ninguém me ouviu, ou, se ouviu, desconsiderou totalmente minha opinião.
E seguimos.
De súbito, todos param. Estamos a vários quarteirões de nossa casa. Vejo Hellena e Will uns passos adiante, parecendo impressionados com algo, e aos poucos os demais vão se dando conta do que os dois contemplam; eu, como estou mais atrás com Luize, não vejo o que é até me aproximar. Solto Luize e chego mais perto.
— E-Emma. — Stive gagueja. — Se lembra?
O que está diante de nós também me deixa boquiaberta. É a casa abandonada na qual entrei uma vez, por acaso.Era a isso que Stive se referia. Acontece que eu tinha apenas seis anos, e o que me aconteceu foi horrível. Eu havia ido àquela casa com Stive, que não passava de um pirralho de nove anos. Quando vimos aquela grande casa caindo aos pedaços, é obvio, ficamos curiosos. Entramos no quintal sombrio e subimos a escadinha da entrada, que rangia. Stive empurrou a porta com as pontas dos dedos, o que causou um ruído bizarro. Nós dois lançamos uma olhadela dentro da casa e em seguida nos entreolhamos para saber quem entraria primeiro. Digamos que Stive venceu, e eu entrei na casa. Era poeirenta e espaçosa, e me deixou tão impressionada que recuei. Encostei as costas na porta e procurei a maçaneta. Droga, Stive não entrara. E a porta se fechara. Nunca soube como, mas ela se fechou. E eu a tentei abrir. Puxava com todas as minhas forças. E a porta não abria. Sentia as lágrimas descerem por meu rosto enquanto gritava para Stive me ajudar e tentava abrir a porta com minhas mãozinhas frágeis, que acabaram todas machucadas. Stive, eu sei, tentava empurrar a porta por fora, mas também era fraco demais. Ouvia ele me gritar e tentar me acalmar. No fim, alguém que passava na rua, suponho, veio ajudar Stive a empurrar a porta, que se abriu. Assim que a porta se abriu, sem pensar duas vezes, me joguei nos braços de meu irmão. O rosto molhado de lágrimas. As horas que passei ali foram as piores de minha vida.
— Sim, Stive. — digo, assustada com a lembrança. — Mas não quero repetir.
—Do que está falando? — pergunta Liam
— Quer parar de cavar na conversa dos outros?- semicerro os olhos, o olhando como se ele fosse o ser mais desprezível existente no mundo.
— Fica calma, Emma. — Stive diz, ignorando o que Liam e eu havíamos dito. — Não vai acontecer de novo. Agora somos onze. Temos força para puxar uma porta.
— Está se referindo àquele episódio da porta emperrada? — Will ri.
— Queria que fosse você a estar preso lá dentro. — Digo amargamente, sem paciência. — Mas que ninguém viesse te salvar.
— Ui, que medo.- Ele zomba, recebendo uma cotovelada nas costelas logo após, da própria Hellena. Não que ela estivesse sensibilizada com a situação, mas é do estilo dela fazer pessoas calarem a boca quando não estão dizendo nada útil. Will se inclinou um pouco, mas bastou para tirar o sorriso idiota de seu rosto.
Quando desvio o olhar de volta para Stive, percebo que ele encara a mansão em um quase transe. É uma antiga construção de madeira há muito abandonada, com as vidraças quebradas e um ventilador que range ocasionalmente quando há corrente de vento. No segundo andar, dizem, pessoas costumam vir passar a noite, mas sempre saem assustadas, jurando nunca mais voltar. A típica casa assombrada de filmes de terror.
— Certo, quem topa entrar na casa? — Stive coloca as mãos na cintura ao virar-se para o restante de nós.
Arregalo os olhos. O quê? Como assim entrar na casa? Será que o que aconteceu anos atrás já não foi lição suficiente? Claro que não. Aconteceu comigo, não com ele.
Para meu desespero, a maioria topa. Eu até poderia ir para casa, mas estamos bastante longe, e além do mais, não é muito seguro uma menina de quinze anos vagar pela rua a noite. Me resta ir com eles. Mas se algo acontecer de errado... Os culpados serão os meus dois irmãos estúpidos — afinal a ideia de vir para a rua foi de Will.
Observo, imóvel, Will, Stive, Hellena e Liam entrarem no quintal. Em seguida, vão Dianna, Chris e Annabely. Não sei se vou. Posso convencer os que ficaram do lado de fora — Júnior, Amélia e Luize — A voltarem comigo.
Errado.
Amélia segura Júnior pelo pulso e eles entram juntos no quintal. Não dá mais. Agora só resta Luize, que é uma inocente criança de doze anos, e eu. Como eu odeio meus irmãos, às vezes! Luize me abraça novamente e murmura algo que na hora eu não entendo, mas depois de um tempo tentando compreender, me dou conta que é um:
"Estou com medo."
VOCÊ ESTÁ LENDO
O país secreto.
FantasyEmma é uma jovem que gosta de fazer coisas diferentes, que fogem do cotidiano e quase sempre espera viver grandes aventuras com os irmãos e primos. Mas em uma tarde que parecia normal, Emma, seus irmãos, primos e amigos- Não necessariamente amigos...