Nunca me senti tão pressionada, tão... sequestrada como agora. Não há saída: é seguí-los ou ver a todos morrerem. Mas as coisas ficam ainda piores quando Delli avista Larm, Stive e Will a uma certa distância. Ela se volta para seu irmão e sussurra.
— Está vendo aquele do cabelo laranja? — ela diz, em português claro, como se eu sequer estivesse ali. — Sabe o quão poderoso ele é; seu dom seria útil. Acho que a mocinha aqui não vai dar conta.
Feln enrijece, me avaliando como se eu fosse um animal asqueroso.
— Você quer dizer — ele sussurra de volta. — Que telecinese pode ajudar? Paralizar os lobos?
Alterno olhares da direita para a esquerda, do rosto de Delli ao de Feln, interessada pelo assunto. Mesmo com a minha sentença de morte assinada, estou mais tranquila do que se suporia, embora a conversa seja a respeito da vida de meu irmão.
— Eu estou aqui — anuncio. — Vocês bem que podiam parar de conversar como se eu fosse surda.
Delli semiabre a boca, evidenciando sua surpresa.
— De qualquer modo — Feln olha adiante, entrecruzando as mãos às costas. — Vamos buscar a ajuda do Ruivo.
— Ajuda do... — pestanejo. — Espere, o quê? Vocês não vão querer o Stive, é sério. Ele é lento, não faz nada direito e só faz merda. Sério, gente, eu dou conta.
Delli franze o cenho.
— Ajuda do Ruivo, com certeza. — concorda.
Bufo, deixando os ombros cederem. Bem, parece que Stive também está encrencado.
Observo quando os três se viram para nós e se mostram bem confusos ao me avistar acompanhada de duas pessoas que eles não conhecem. Mas não ficam surpresos por muito tempo, logo se encaminham para nós com peixes aos montes nos braços. Larm traz o arco atravessado nas costas, Will está com a aljava pendurada no ombro e Stive carrega um número maior de peixes.
Vão embora, mexo os lábios, esperando que eles entendam. Corram. Vão embora daqui! Rápido!
Larm é o único que para de andar, também formando uma palavra nos lábios: quê?
Suspiro, contendo a vontade de esbravejar para que eles se vão. O segundo a estacar é Will, e então percebo que é ele a minha esperança. Olho em seus olhos.
Will, penso. Eles são vampiros. Vão levar o Stive e eu.
Will cobre a boca com as mãos, recuando.
Não faça nada, peço mentalmente. Mas vá embora daqui. Corra!
Mas ele não corre. Stive está bem perto de nós agora.
Will, corre!
Nada. Meu coração martela no peito, a respiração se torna pesada... eu quase paro de andar, mas Delli segura firme meu braço e praticamente me arrasta.
William!
É nesse momento que Stive e Feln se encontram. E não é nenhum encontro feliz.
Feln o agarra pelo colarinho e levanta-o a meio metro do chão — Stive pode ser alto, mas Feln com certeza é maior. Stive, engasgando, agarra as mãos de Feln e faz um esforço para se soltar.
— Escuta aqui, Ruivo — murmura Feln. Gotículas de saliva chocando-se contra o rosto de Stive. — Você vai matar uma matilha. Ou então haverá morte aqui!
A expressão de susto de Stive some completamente e é substituída por uma de pura raiva. Ele encara os olhos vermelhos do seu agressor.
— Eu faço se eu quiser — resmunga.
Em seguida, as mãos de Feln soltam a camisa do meu irmão, que cai de volta ao chão, e grudam-se aos lados do corpo. Os olhos de Stive se tornam totalmente castanhos, cintilando anormalmente. Eu adoro quando ele usa seus poderes: deve ser o mais forte entre todos nós. Delli, assustada, solta meu braço e, numa velocidade espantosa, aparece ao lado de Stive e o empurra brutalmente. Will e Larm saem do transe em que se encontravam até agora e se dirigem a Stive, que saíra rolando pelo chão. Feln recupera seus movimentos e aproveita para segurar meu pescoço.
A sensação de estar sendo estrangulada é pior do que tudo o que já experimentei. Enquanto suas mãos esmagam meu pescoço, eu começo a sufocar e a sentir os olhos pesarem.
— Komir? — diz Feln, olhando para meus irmãos e Larm. — Se o Ruivo não vier, eu a matarei.
— Sti... — tento, buscando levar o máximo de ar possível para meus pulmões. Cravo as unhas nas mãos do vampiro, mas isso em nada o afeta.
Will, penso. Eu amo...
Minha linha de pensamentos é interrompida pelo alívio que sinto quando as mãos de Feln afrouxam o aperto. Olho em volta, e percebo que é novamente Stive. Larm não poderia fazer nada; estar sem sua harpa é estar sem sua alma. E Will... coitadinho do Will. Ele está tão assustado...
— Eu vou — rosna Stive, ainda com olhos brilhantes e totalmente castanhos. — Mas deixe a Emma em paz.
— Ótimo — cospe Feln.
Cambaleio, tonta, e quem me ampara é Larm. O abraço, chegando a boca perto do seu ouvido.
— Amo você — cochicho. — E sempre vou amar você.
Larm me aperta, naquele tipo de abraço que você dá quando sabe que jamais verá a pessoa novamente. O abraço do adeus.
— Eu também te amo, meu amor.
Me separo dele ao perceber a nota abafada na sua voz. Estará Larm chorando? Pela primeira vez desde que eu me lembro? Sim, ele está chorando. Um filete de lágrima desce por seu rosto bronzeado e eu rapidamente o afasto com os dedos, percebendo o quanto isso é difícil para mim. A despedida... eu posso nunca mais voltar.
— Meu amor — sussurro.
— Meu amor — ele sorri, inacreditavelmente magoado. Segura minha mãos com suas duas, como se o gesto pudesse me impedir de partir. Conforme me distancio, nossas mãos deslizam para longe uma da outra e, eu sei, talvez jamais voltarão a se encontrar.
Dou-lhe as costas, com um nó muito apertado na garganta e uma vontade incrível de chorar.
Stive agora aponta o dedo para o peito de Feln, enquanto Will olha para nosso irmão com uma careta de quem faz o possível para oprimir as lágrimas.
— Eu não vou permitir que você mande a Emma para essa missão — discute Stive. — Ela deve ficar aqui... com o Will. E com o Larm.
Feln mantém a postura.
— Seria simples, se não precisássemos do fogo mágico — rebate ele, tranquilamente.
— O raro fogo mágico — ecoa Delli.
— Cale a boca! — ralha Feln com ela, mas logo retorna a sua pose habitual. — Estamos perdendo tempo. Delli, sabe o que fazer.
Delli assente e vem em minha direção, segurando meu braço e me trazendo para perto de Feln e Stive. Resisto à vontade de olhar para trás, de ver o rosto de Larm pela — provavelmente — última vez. Acho que não suportaria, que desabaria. Fecho os olhos e deixo uma lágrima, uma única lágrima, cair de um deles. E é então que uma ventania e uma pressão terrível nos ouvidos me pegam de surpresa. Abro os olhos, mas o vento os castiga e os fazem arder, então continuo de olhos fechados...
De uma coisa eu sei... Delli está correndo mais rapidamente do que qualquer humano ou qualquer bicho conseguiria. Ela está correndo no ritmo de um vampiro; e eu estou com ela.

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O país secreto.
FantasyEmma é uma jovem que gosta de fazer coisas diferentes, que fogem do cotidiano e quase sempre espera viver grandes aventuras com os irmãos e primos. Mas em uma tarde que parecia normal, Emma, seus irmãos, primos e amigos- Não necessariamente amigos...