Adeus, porão.

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      Os dias seguintes foram os mais alegres desde que cheguei. Mas, até aqui, já deu para ficar bem claro: felicidade é algo temporário para um Bouringor. Enquanto eu estava naquele porão, treinando e lutando, amando e sendo amada, sorrindo e sendo retribuída... nossa, minha vida estava linda!

      Não... é claro que não.

      Como poderia estar perfeita? Que egoísmo, o meu. Não deveria pensar assim nunca, quando meu irmão e primos estão todos sendo torturados ou mortos. Eu não superei; me adaptei. Se deixar a dor me consumir, só vou morrer mais rápido. E, naqueles dias, mais que nunca, eu estava contente e feliz. Larm e eu escapávamos para ver as estrelas e a lua, juntinhos, confessando as coisas mais loucas que já havíamos feito, ou os pensamentos mais obscuros de nossas mentes.

      Em uma dessas noites, o céu estava escuro e de poucas estrelas. A lua se escondia atrás de uma nuvem monstruosa e cinzenta. Larm me abraçou e descancei sobre seu ombro.

      Havíamos fugido para longe de todos, nos acomodávamos na margem úmida do rio mais próximo. Ele apontou para a nuvem e disse:

      — Aquele é Arismir. A lua ali atrás sou eu.

      Separei-me dele para ver seu rosto.

      — Por quê?

      Ele voltou aqueles olhos escuros perfeitamente comuns para mim.

      — Ele quer ofuscar meu brilho.

      E riu. Depois de lhe dar um tapinha brincalhão e gargalhar alto, voltei ao aconchego de seu abraço. Não sei por quanto tempo ficamos ali, nem lembro o que mais foi dito. Só o que ouvi, além de sua respiração e o correr das águas, foi um farfalhar. Um farfalhar bem atrás de nós.

      Quando o som se fez ouvir, Larm e eu tomamos a mesma iniciativa: olhamos para o lugar de onde vinha. Não havia nada e nem ninguém. Pensamos sobre isso por horas antes de nos convencermos de que se tratava de algum bichinho arisco.

      Hoje, pensando melhor, não acho que era.

      Outro fator muito estranho ocorrido entre os quatro dias que permanecemos no porão, após o despertar de Dianna, foi a conversa que eu tive com ela. Dianna se recuperara bem, mas ainda parecia divagar. Eu me sentei ao seu lado, no chão frio e imundo do porão, e tentei ser gentil.

      — Oi, Didi — sussurrei. — Está um pouco frio. Não quer que eu faça uma fogueira?

      — Não, por favor, não — respondeu imediatamente, arisca, e segurou os joelhos junto ao peito, apoiando a cabeça neles. — Eu não gosto de fogueiras.

      Franzi o cenho. Como assim? Será que eu tinha ficado tempo demais afastada dela e acabei esquecendo o seu jeito de agir? Dianna não rejeitava uma gentileza, nunca, não falava assim e, aliás, adorava fogueiras. Abanei a cabeça, percebendo que poderia ser o trauma. Estaria Drafe a ameaçando com fogo? Muito improvável. Giroy me garantira que ele não tocaria em um fio de cabelo sequer de Dianna.

      — Você está abatida. — observei, afastando os volumosos cabelos castanhos de seu rosto e depositando-os atrás de uma de suas orelhas pontudas. Ao realizar o movimento, percebi uma coisa: o brinco dourado de cruz. O presente que havia ganhado de sua mãe certa vez. Ele simplesmente não estava mais lá. — Oh, Dianna — murmurei. — Você perdeu o seu brinquinho...

      Instintivamente, a mão dela foi à orelha e apalpou onde deveria estar o objeto. Sua face se inundou de desapontamento.

      — Nossa. Ele sempre me trouxe tanta sorte...

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