Revelações

130 12 6
                                    

      Os olhos escuros de Vindre cintilam com uma mistura genuína de bondade e divertimento, me deixando confusa. Hellena e eu recuamos até o parapeito, que nos limita. Espreito rapidamente por cima dos ombros, avistando ao longe formas obscurecidas no céu limpíssimo, como corvos gigantes e, pouco abaixo e muito mais perto, pontinhos negros que suponho ser morcegos. Um calafrio percorre minha espinha quando torno a olhar Vindre: ele parece sereno e incapaz de cometer um homicídio. Lança-nos seu melhor sorriso amigável e estende suas duas mãos — palmas voltadas para cima —, uma para mim e a outra para Hellena. Me sinto assustadoramente tentada a pegá-la, mas antes procuro Annabely com os olhos.

      Ela não está aqui nem em qualquer lugar onde meus olhos poderiam achá-la. Na verdade, eu a perdi de vista poucos instantes depois que Vindre transpôs a porta.

      Hipnotizada pelas feições dóceis de Vindre, chego a cogitar quem seria o vilão e o mocinho da história. Talvez tudo que eu ouvi nos poucos instantes em que estive no castelo seja verídico e o vilão seja meu avô. Talvez ele tenha mascarado a situação, para facilmente me convencer a lutar ao seu lado e destruir o rei bom, para tomar seu trono. Talvez Maly tivesse razões o suficiente para mandar seus filhos para outro mundo, e Doquo fosse de fato um péssimo pai, um péssimo esposo e, acima de tudo, um péssimo rei. Olhando nos olhos de Vindre, eu começo a me perguntar se tudo o que me disseram até agora não passavam de mentiras deslavadas. Me sinto como uma garota boba, com o ego ferido e coração iludido.

      Hellena parece pensar o mesmo que eu, pois toma a mesma iniciativa — ambas esticamos as mãos, prontas a segurar as dele.

      Nesse instante, porém, o dia enegrece; tudo se torna cinza, e Vindre hesita. Seu rosto se transforma em perplexidade e quase medo. Com a boca entreaberta, ele olha por sobre a minha cabeça.

      É como se um peso tivesse sido arrancado das minhas costas e minha mente clareia. Sou tomada por uma raiva incontrolável, porém mal tenho tempo de reagir antes de um trovão ribombar no céu e um raio acertar em cheio Vindre, com um clarão que me cega temporariamente.

      Minha visão entra em foco no momento em que Annabely, que flutuava, pisa graciosamente no chão e seus olhos tremeluzem, saindo de completamente negros para negros normais.

      O dia fica claro novamente.

      Aos seus pés está Vindre, retorcendo-se por causa do choque. A visão me causa náusea.

      — Mais perigoso que um vilão que mata rapidamente — recita Annabely, passando por cima de Vindre que ainda dá solavancos. — É um que planeja seus ataques.

      Hellena e eu olhamos para Annabely, para Vindre, e depois de novo para Annabely.

      Hellena é quem reage, correndo para ela e a apertando em um verdadeiro abraço de urso. As duas riem e trocam palavras, e eu começo a me sentir ligeiramente excluída — morrendo de ciúmes.

      — Ei, espere — digo para chamar a atenção delas, que me olham ainda com sorrisos esboçados. — Foi fácil assim? Ele está morto?

      O sorriso desaparece instantaneamente do rosto de Annabely e ela vem para perto de mim com os olhos marejados.

      — Ele está vivo — sussurra, me abraçando pela cintura. — Ele não morre com um simples raio. Só morrerá pelas mão da Dama de Gelo ou Fogo, a Maly me disse...

      — Ah, não seja por isso! — Hellena aponta as palmas das mãos para o corpo chamuscado de Vindre, que está com os olhos abertos fitando o nada.

      — Pare!

      A voz retumbara do fim da sala e, quando olhamos para cima, vemos nada mais, nada menos, que um velho ligeiramente vergado de olhos prateados e um restinho de tufos de cabelo dourado e seu filho baixo e magricela, com cabelos verdes despenteados e olhos dourados enormes. O velho, carregando um corpo desfalecido pelo tronco, parece surpreso ao ouvir o grito do filho.

O país secreto. Onde histórias criam vida. Descubra agora