Super-Vovó-Desnaturada

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      Última porta. Última torre. Soara tão simples quando Isie pronunciara, que eu sequer pensei que seria tão complicado achar a sala. Eu não aguentava mais correr quando Hellena finalmente encontrou-a.

      Paramos diante da porta de madeira marrom-escura, com arranjos dourados em forma de espirais no batente, e cuja maçaneta redonda parece uma bolinha de cristal. No centro da porta, há uma placa onde se lê: "Aldof maody. Ni apeb". Fazer o quê? Nem tudo em Oliut foi feito para turistas.

      O rosto de Hellena se contorce em uma careta azeda.

      — Que droga — pragueja. — Será que é aqui mesmo?

      — Acho que sim — falo. — Tipo, última porta, né? Mas o que você acha que está escrito? — aponto para a placa.

      — Sei lá — ela dá de ombros. — Eu temho uma na porta do meu quarto que diz: "Proibido gente chata". Deve ser algo parecido.

      Arqueio as sobrancelhas para ela.

      — Não acho que o vilão e atual rei de Oliut escreveria algo do tipo.

      Hellena encolhe os ombros outra vez, e começa a esmurrar a porta. O som de seus socos me fazendo piscar ocasionalmente.

      — Ei! — grita ela. — Abram a porta! Abram a porta!

      Ela desiste de bater e encosta o ouvido, escutando pacientemente ao movimento lá dentro.

      — Olha — sussurra. — Só ouço... silêncio. Acha que tem alguém aqui, ou aquela garotinha de cabelo azul estava mentindo?

      Solto um bufo cansado.

      — Você fala "garotinha" como se vocês duas não tivessem a mesma idade — rolo os olhos. — Agora vamos. Me dê licença. — empurro-a para longe da porta, agarrando a maçaneta e girando-a com facilidade. Quando forço a porta, ela se abre, para a surpresa de Hellena. — Viu? Está aberta. Não precisava de escândalo.

      Com um som ruidoso, a porta vai se abrindo cada vez mais até estar escancarada. Hellena e eu reprimimos exclamações ao avistarmos a sala.

      Digamos que a sala de Vindre — ou, pelo menos, suponho que seja de Vindre — é uma mistura de sala de estar e biblioteca. Com paredes revestidas de livros, do chão ao teto, é necessário longas escadas dispostas aqui e ali, para que se possa alcançar os livros superiores. No centro, há muitas almofadas e poltronas luxuosas, para um máximo conforto e, do teto, sinos de vento produzem um som monótono e de dar medo. A pouca iluminação da sala vem de lareiras, umas cinco delas, e, ao final, há portas duplas de vidro que dão acesso à sacada. Por um momento, esqueço que estou em Oliut, e que estou em uma guerra, e fico tentada a raptar alguns desses livros. É quando uma risada baixa e trêmula faz meu estômago gelar.

      Giro nos calcanhares e engulo em seco, flagrando a mulher descendo de uma das escadas, com um livro em mãos. Ela é uma senhora de fofos cabelos brancos como algodão e pele amarelada. Apesar da idade, ela está bem conservada; a única coisa que nos faz perceber que ela não é tão jovem são seus cabelos e as rugas em torno dos olhos. Afora isso, ela não demonstra ter mais que quarenta anos.

      A mulher termina de descer as encadas, com um sorriso divertido no rosto. Ela caminha até nós.

      — Ora, ora — cantarola ela. — Quem diria. Ouvi falar da polêmica Emília Bouringor, mas não fazia ideia de que ela era uma amante de livros!

      Ela coloca o livro que trazia em minha mão e eu só posso encará-la, boquiaberta. De perto, percebo que seus cabelos ainda tem traços loiros e que ela se parece assustadoramente com minha tia, Isabel, a mãe de Hellena e Luize. É o mesmo narizinho arrebitado, os mesmos olhos escuros desafiadores. Hellena fica encarando-a como se não pudesse acreditar.

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