Minutos parecem horas. Não escuto nada além de minha própria respiração, e não vejo nada além das chamas que bruxuleiam em minhas mãos. O olhar atento, fixado nas árvores, mesmo não conseguindo vê-las. Auxiliada por meus ouvidos, que prestam atenção a cada ruído mínimo. Já fiz isso mais vezes do que posso contar, porém hoje, especialmente, estou mais distraída que o normal.Tenho que manter o foco, a concentração, mas minha mente insiste em vaguear para o mais longe possível. Desde a tragédia com Luíze, o sequestro à Dianna, a fuga de Hellena, até o colar ganho por Amélia. Tudo está acontecendo suficientemente rápido para que eu ainda não tenha encontrado tempo para abrir o estojinho...
Sou arrancada dos meus pensamentos quando meus ouvidos captam movimentos vindos de algum lugar próximo. Gravetos se partindo, passos rápidos e farfalhares de folhas. Pode ser um predador, ou alguém que deseja me matar. Permaneço imóvel e apago o fogo em minhas mãos para não chamar atenção. Sinto o coração acelerar e a respiração ficar mais pesada. Levanto-me com cuidado, preparando-me para agir.
Meus olhos identificam três silhuetas. A do meio é a mais baixa e se debate. A da esquerda é alta e esguia. A da direita deve ter mais ou menos a minha altura. Parecem inofensivos, e há possibilidade de que já os conheça.
Faço um breve movimento com a mão e esta se incendeia. O lugar fica mais iluminado e me aproximo para vê-los melhor.
Não sou capaz de acreditar no que vejo. A primeira é Demmie, tão magricela e comprida como costumava ser; seu cabelo ruivo está solto, ondulando-se em cascata pelos ombros até a cintura fina. Do outro lado está um dos gêmeos - não tenho certeza qual dos dois, mas presumo que seja Vedir pelo boné em sua cabeça com a aba voltada para trás. Mas o que de fato me faz gelar é quem está entre eles. A pessoa que se contorce e balbucia uma série de palavrões tentando soltar-se a todo custo.
— Deveria cuidar melhor dos seus bichinhos de estimação, Emma. — Demmie diz, e pela forma como seus lábios se apertam e o nó se forma entre as sobrancelhas retas, é fácil presumir que ela não está nem um pouco satisfeita em estar aqui.
É Hellena. Hellena voltou.
Fico confusa entre ir abraçá-la ou manter distância — ela não parece disposta a receber uma demonstração de carinho. Percebo um corte ensanguentado em seu vestido na altura do abdômen e alguns gravetos no emaranhado loiro-azul do seu cabelo. Pestanejo, tentando controlar o nervosismo que cresce em mim diante de sua selvageria. Ela é assim. Quanto mais fúria, mais tristeza há.
— Bichinho é a sua...
— Ei! — Vedir puxa seu braço com certa violência, a fazendo perder o equilíbrio por um segundo. Ele volta o olhar para mim. — A pegamos vagando na noite. Pálida como a neve. Cintilando de ódio.
Ainda perplexa, dou um passo em sua direção e ela recua. Seus olhos escuros encontram os meus e, pela primeira vez, eu sinto seu poder perpassar minha pele sem que ela sequer o tenha utilizado. Ainda há neve presa aos cílios curvos, as sobrancelhas, com alguns tufos brancos, está baixa em uma expressão de ódio. Seus lábios estão franzidos, descascados e arroxeados, destacando-se na pele pálida um tanto encardida. Ela só tem doze anos. Ou seria treze? De qualquer forma, esse rostinho pequeno de bochechas redondas e queixo curto não deveria poder intimidar tanto quanto ela faz agora.
— Eu não pedi para que me trouxessem aqui. — ela diz entredentes. — Eu sei o que faço e faço o que quiser!
— Calma aí, gracinha — Demmie aperta seu braço e ela bufa. — A menos de um quarteirão de você havia um Kirq. Faminto, louco por um petisco. O que melhor que carne congelada?

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O país secreto.
FantasyEmma é uma jovem que gosta de fazer coisas diferentes, que fogem do cotidiano e quase sempre espera viver grandes aventuras com os irmãos e primos. Mas em uma tarde que parecia normal, Emma, seus irmãos, primos e amigos- Não necessariamente amigos...