O sonho

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      Me vejo diante de árvores compridas, pedras gigantescas e uma cachoeira que chia aos meus ouvidos. Sei que estou sonhando e que, pela riqueza em detalhes do sonho, é apenas uma invasão de manipuladores. Cruzo os braços, esforçando-me para não sentir medo, e caminho descalça pelo chão pedregoso. Em minha mente, cogito a possibilidade de ser Giroy; todavia algo me diz que não passa de Birc querendo me amedrontar.

      Ando um pouco, aos tropeços, e uma garota loira e anormalmente pálida vem ao meu encontro, parecendo desesperada. Seu cabelo ondulado sacode-se a medida que ela corre e os olhos são cinzentos feito um dia nublado. A camisola branca agita-se e ela nem mesmo freia ao chegar em mim, fazendo nós duas cairmos.

      Minhas costas arranham nas pedras e irregularidades do chão, e arquejo diante da dor. A menina em cima de mim, rola para o lado e arfa, num desespero inacreditável.

      — Você... eu... você...

      Me levanto, fazendo uma careta quando minhas costas começam a queimar. Passo as mãos pelos cabelos e a ajudo a levantar. Ela é ligeiramente menor que eu e não parece ter mais que dez anos.

      — O que houve...?

      Ela inspira e expira profundamente três vezes, se tranquilizando.

      — Olá, Emília Bouringor — cumprimenta, roboticamente. — Me chamo Lissian Clinger, manipuladora, irmã caçula de Drafe Clinger. Vim porque...

      — Espera. — pisco, segurando a menina pelos ombros. — Você disse Drafe?

      Lissian não responde, apenas me encara inexpressiva. Sinto um leve desconforto e ânsia em saber o que ela tem a me mostrar. Como sabe o meu nome, afinal? E como conseguiu penetrar a minha mente? As perguntas são inquietantes. A observo, esperando que diga algo, e ela não diz. Sentindo um nervoso percorrer meu corpo, tenho vontade de sacudi-la sem parar até que fale.

      — Menina, você está me assustando. — é só o que digo.

      Olhando-a assim, percebo o quanto se parece com o sequestrador de Dianna. Será que ele enlouqueceu depois que ela conseguiu escapar? Ou que morreu? De qualquer forma, isso não diz respeito a mim. Então por que sua irmã apareceu em meu sonho?

      O ar gelado e a grama molhada sob meus pés não ajudam a me acalmar. Ouço pássaros. Corvos. E vejo a cachoeira borbulhar ao meu lado, cercada de pedras lisas e grandes o suficiente para me caber deitada. Se eu não estivesse tão preocupada, pararia para admirar a beleza do lugar. As florezinhas vermelhas espalhadas pelo chão, os sons encantadores da natureza... mas eu sei que tem algo extremamente errado nisso tudo.

      — Eu preciso te mostrar uma coisa. Que eu descobri ontem, você tem que ver! — a menina fala, voltando a se empolgar. Por seus olhos inchados, deduzo que andou chorando.

      Em seguida, ela faz um movimento com as duas mãos e a cena desaparece. Estou dentro de uma cabana de palha e bambu — ao menos parece palha e bambu — e Lissian está jogada no chão, estremecendo e arfando. Uma vez, Birc me contara que é muito difícil invadir mentes a distância. Não imagino o tamanho da dificuldade que essa frágil e magricela garotinha está enfrentando.

      Corro para ajudá-la, e percebo o quanto ela treme.

      — Tudo bem? — sussurro para ela e ela assente, mesmo que não seja verdade.

      Quando Lissian já está de pé, paro para ver o cenário. Há muitas carcaças empilhadas em um canto, assim como um cobertor rasgado e alguns potes de água. O chão está coberto de folhas e a porta da cabana é pequena o suficiente para que até mesmo essa garotinha passe abaixada. É de noite, como se estivesse anoitecido de uma hora para a outra, e a luz da lua invade a cabaninha. Olho para Lissian, sem entender, e ela aperta as unhas no meu braço para extravasar a dor. Aguardo, ansiosa e receosa, ao lado da pequenina.

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