Os guardiões

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      Abro os olhos, porém fecho-os em seguida. A luz do sol é tão forte que ameaça me cegar.

      Não sei o quanto chorei, mas tenho certeza de que foi até adormecer. Tenho vontade de ficar aqui, deitada o dia inteiro, pois todo o meu corpo dói — entretanto, a vida tem que prosseguir. Devo ser forte. Afinal, alguma coisa me diz — uma vozinha bem no fundo da minha cabeça — que Luize não foi a última a morrer. Pensar assim me deixa deprimida, mas não posso evitar. Sei que essa voz em meu subconsciente tem absoluta razão. Dianna teve uma visão, minutos antes de eu vir parar aqui, na floresta — de onze, apenas seis conseguirão sobreviver.

      Meus olhos estão começando a lacrimejar novamente... e eu não aguento mais chorar. Forço-os a se abrirem, apesar da claridade, e me sento com esforço. Minha cabeça lateja.

      Então, vejo algo diante de mim. Ou melhor, alguém. É uma cabeleira ruiva embaraçada, presa em um coque feito do nó do próprio cabelo. É uma garota, isso é obvio, e ela não parece ter notado minha presença ainda. Observa o riacho atentamente, passando os dedos por entre as águas — não apenas isso; a garota conversa com o riacho.

      Me coloco de pé com dificuldade e caminho em direção a ela.

      — Emma Bouringor. — Sua voz me surpreende, fazendo com que interrompa os passos. Como sabe meu nome? Melhor, como sabe que estou acordada? — É curioso os netos de Doquo virem parar aqui justo quando nosso país está em crise.

      Ela continua com os olhos fixos na água, como se minha presença aqui não fosse relevante. Pensando bem, talvez não esteja falando comigo; talvez esteja falando com o riacho.

      — Sabe, Emma, achei que dormiria um pouco mais. — ela diz em meio a um suspiro. — E, sim, estou falando com você.

      Engulo em seco — a princípio pelo espanto em ter minha mente lida por alguém tão despreocupadamente. Não é fácil se acostumar com a falta de privacidade em um mundo como esse. Em seguida, a lembrança de meu irmão mais novo, William, acende feito chamas dentre minhas memórias — seu sorriso convencido por saber algo que ninguém mais sabia quando utilizava seu dom. Cada vez que penso nele, é como se um peso se instalasse em meus ombros, uma força maior que a gravidade.

      — Eu realmente pensei que os poderes de Fogo e Gelo haviam sido extintos para sempre. — a garota comenta. Sua voz é mansa e intimidadora, quase como a de Birc em meu sonho.

      — Pensou errado. — retruco. A voz falhando pateticamente. — O que te trouxe até aqui?

      Então ela se vira para me encarar. Sua pele é salpicada de sardas e seus lábios, finos como uma linha. O nariz torto sugere que já tenha sido quebrado, e os olhos são completamente vermelhos. Seus olhos me sobressaltam e recuo um passo. Percebendo minha reação, ela solta um bufo exasperado.

      — Não achei que diria "Nossa, Demmie, como seus olhos são lindos!" — ela apoia o peso do corpo nos braços ossudos, levantando-se. É ligeiramente mais alta que eu e incontestavelmente mais magra; o peito chato e as costelas saltadas ganham destaque sobre o tecido fino da blusa preta justa e os jeans surrados parecem muito largos em sua cintura. — E não pense que passar a noite ao relento resolverá seus problemas, garotinha. E muito menos gritando como uma doida. Olhe, se quer atiçar os predadores da floresta, faça uma fogueira!

      Semicerro os olhos.

      — Está me dando uma bronca?

      — Está me dando uma bronca?- Ela me imita de uma forma ligeiramente exagerada e aguda. — Por mim, você poderia morrer por aqui, e se eu achasse seu cadáver, teria uma refeição garantida.

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