Doquo... Então esse senhor é o rei. O rei que foi jogado para fora de sua própria casa. Que foi obrigado a enviar seus amados filhos para outra dimensão. O rei que foi traído pela própria mulher. O rei que possivelmente é meu avô.
Me aproximo dele, caminhando cuidadosamente para vê-lo melhor. Seu rosto está tão enrugado e sua expressão tão dura... Arismir não deve ter me dito a verdade. Esse homem não é meu avô. Como pode ser que eu tenha passado quinze anos da minha vida sem saber que meu avô estava por aí, vivendo em um mundo paralelo e que era um rei em ascensão? É tão fora da realidade que eu não consigo assimilar.
Então percebo, com um sobressalto, tamanha semelhança que esse senhor tem com meu irmão mais velho, Stive. É como se estivesse vendo uma versão mais velha dele. São os mesmos olhos ligeiramente arredondados castanho-escuros, margeados por cílios alaranjados quase louros, e o nariz adunco pontilhado por sardas que se estendem por todo o rosto, pescoço... Aliás, por todo corpo até onde eu posso ver. E se meu irmão se parece tanto com minha mãe e minha mãe tanto comigo...
— Então é verdade. — Murmuro desviando o olhar, incrédula.
— Você é filha de um dos meus filhos? — o velho parece tão ou até mais surpreso que eu, me analisando com curiosidade e uma leve esperança.
— Quem são os seus filhos? — lergunto desconfiada, lançando-lhe um olhar de soslaio.
— Lílifa, Kily e Baelo. — responde. — Um menino e duas meninas.
Minha boca se abre em perplexidade. Sim, agora não há mais como negar. Se sou mesmo filha de Doquo, então esses filhos aos quais se refere são, nada mais, nada menos, que minha mãe, tio Billy e tia Bel. De qualquer forma, não há muito que saibamos sobre eles ou seus parentes, senão que viveram em um orfanato durante vários anos até serem adotados por um casal bem de vida que seria incapaz de separar três irmãos. Ninguém nunca levantou a discussão sobre seus pais biológicos, pois parecia um assunto cansativo e sem relevância, já que todos vivíamos bem da forma que estávamos. Mas agora... as coisas estão prestes a tomarem outro rumo, e não posso evitar me sentir ansiosa por isso.
— Eu duvido muito que ainda se chamem assim, uma vez que foram mandados para um outro mundo. — diz o Homem da Harpa. Envolvida em pensamentos, eu tinha até mesmo me esquecido de que ele ainda está ali, de pé alguns passos atrás, com os braços cruzados solenemente sobre o peito.
— Eles trocaram de nome? — estreito os olhos para o velho sem conseguir reprimir a nota de hesitação em minha voz.
— É possível. — diz Doquo como se não tivesse pensado muito no assunto.
— Então por que não de sobrenome? — pergunto, agora olhando para o Homem da Harpa.
— Não sei. — diz o rapaz encolhendo os ombros. — Acho que foi a única coisa daqui que quiseram guardar.
Pondero. Talvez o Homem da Harpa esteja certo, mas talvez a mudança de nome foi algo solicitado pelo próprio orfanato; afinal, é indiscutível que Isabel, Alice e Billy soam muito mais harmônicos que Lílifa, Baelo e Kily, sejamos francos. Mas os sobrenomes... não há um motivo concreto para querer mudá-los.
— Senhor, só pra ter certeza, como eles são? — me direciono ao velho, sentindo a adrenalina de estar cada vez mais próxima de uma confirmação. Seu rosto iluminado pelas chamas vacilantes está um tanto pálido, e sua sombra projeta-se gigante ao seu lado, oscilando de tamanho e forma.
— Quase não lembro mais deles, mas alguns detalhes ainda guardo em minha memória. — diz, assumindo um ar sonhador. Já não olha mais em meu rosto, está focado em um ponto cego da caverna como se pudesse visualizar as imagens de sua mente materializadas sobre a pedra da parede oposta. — Como por exemplo os olhos verdes e intensos de Baelo que brilhavam sempre que ele falava sobre livros. Os cabelos ruivos de Lílifa, como o alvorecer, como o pôr-do-sol alaranjado no horizonte. E os cachos dourados de Kily, caracóis que saltitavam conforme ela corria livremente pelo campo, minha pequena exploradora... — sua voz falha e ele leva as mãos ao rosto no mesmo segundo, se escondendo. A pertir daí, é como se estivesse chorando; não posso dizer ao certo. — Sinto falta deles.
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O país secreto.
FantasyEmma é uma jovem que gosta de fazer coisas diferentes, que fogem do cotidiano e quase sempre espera viver grandes aventuras com os irmãos e primos. Mas em uma tarde que parecia normal, Emma, seus irmãos, primos e amigos- Não necessariamente amigos...