Vilão

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      Nesse momento, eu não sei como reagir. Poderia gritar; poderia chorar até a cabeça doer; poderia simplesmente desmontar, ou até mesmo segurar Hellena em um abraço... mas eu não tenho forças para nada disso.

      Às vezes pensamos que a vida é algo completamente sem sentido e que o que nos traz ao mundo é um motivo totalmente fútil. A gente passa uma boa parte da vida procurando um objetivo e a outra metade tentando alcançá-lo... algumas vezes, não temos tempo para alcançar. E, noutras, percebemos o quão estúpido esse objetivo é. Para mim, tudo está muito claro agora. Meu objetivo na vida sempre foi proteger a quem eu amo e, de alguma forma, eu falhei. Falhei porque não consegui ser forte. Falhei porque não soube lutar e defendê-los. Todos morreram porque eu fui burra e lenta demais.

      Meus olhos inundam, mas as lágrimas não descem. Elas turvam minha visão, embaçando o rosto de meu principal inimigo: Arismir. Se eu pensar, Arismir sempre foi o ponto principal — ele nos enganou. Nos fez viver meses na floresta. E, agora que conseguiu nos trazer para onde queria, só quer nos destruir. Nem mesmo Vindre chega a ser tão cruel.

      Os berros de Hellena parecem vir de outra dimensão, filtrados através de camadas e camadas sônicas. Ela está debruçada no parapeito da sacada, chamando por Vedir e se esguelando por não receber resposta. Eu só sou capaz de encarar Arismir e seu sorriso macabro, atônita.

      Cerro os punhos, e meus dedos estão gelados como os de um defunto. Assim como Hellena, eu já não estou realizando meu dom, e temo não conseguir fazê-lo tão cedo.

      — Ah — faz Birc, esfregando as unhas no macacão cor de marfim manchado de sangue (sangue que, naturalmente, não é seu) — Eu sempre detestei essas aberrações. Mas, na verdade, o som da dor é música para meus ouvidos.

      Quando olho para Birc e seu sorriso satisfeito, sou tomada por um ódio que não é meu. Minhas unhas apertam as palmas das mãos a um ponto que eu sei que brevemente as cortarão. Eu avanço para Birc, que recua e tropeça em algo, no entanto se mantém de pé. Num segundo, estou me aproximando dele a passos duros e, no seguinte, meu punho está acertando-lhe o nariz e a boca. Birc cambaleia. Engulo longas golfadas de ar, absorvendo o choque do momento. Meus dedos doem pelo impacto, e meus pulmões parecem cheios d'água. Birc permanece parado, olhos fechados, cabeça baixa. Eu, ainda tomada de adrenalina, preparo o punho para outro soco, mas, quando estou para atingí-lo, ele segura minha mão.

      — Minha mãe me dizia — diz Birc, levantando o rosto e abrindo um sorriso. Seus dentes estão cobertos de sangue, assim como suas narinas. — Que bater em garotas é um crime maior que mentir — ele vira para o lado, cospe o sangue de sua boca e aperta ainda mais minha mão. Arquejo, quando ele começa a torcê-la. — Eu, particularmente, não penso assim.

      Birc gira minha mão, e a dor é tremenda. Berro, com dor e ódio misturado e, nesse momento, sabe-se lá de onde eu tiro essa força, me desvencilho e pego fogo. Abaixo-me, dando-lhe uma rasteira rápida, e então subo em cima dele, imobilizando com os joelhos em seus braços e as mãos em torno do seu pescoço.

      — S-s-saia de cima de mim — ele murmura, seu corpo inteiro estremecendo. — E-ele está fugindo. E-e-ele... F-fogo!

      Aperto ainda mais sua garganta.

      — Você é o culpado. Você torturou meu irmão. Por sua culpa, Hellena sofreu. Eu sofri. — sibilo. — Você vai morrer.

      Mal acabo de proferir essas palavras e algo me acerta na cabeça. O mundo parece rodar a minha volta. Caio de cima de Birc, ao seu lado, e ele se levanta apressadamente. Seu macacão chamuscado e algumas partes da pele em carne viva. Eu sei que qualquer outra pessoa nessa situação estaria louca de dor, mas Birc, aparentemente, desconhece a sensação.

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