A cúpula de gelo

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      Sim, é Dianna. Tão diferente, tão frágil. Seus olhos estão fundos nas órbitas, a magreza cadavérica faz com que as maçãs do rosto se sobressaiam enfatizando as bochechas encovadas. Os caracóis negros de seus cabelos caem em fiapos sobre a face e, quando se move, posso perceber que o vestido azul surrado está largo demais sobre seu corpo miúdo. Não sei se fico alegre em vê-la ou triste pelo seu estado. Uma única pergunta ronda minha mente: como ela chegou aqui?

      Corro para abraçá-la e Hellena faz o mesmo. No entanto, no momento em que a alcanço, ela desmaia em meus braços.

      — Ah, não... Dianna! — grito.

      Hellena me ajuda a carregá-la para dentro do porão que chamamos de casa, e lá a colocamos no chão onde dormimos. Enquanto encaro a garota desacordada, Hellena se afasta de nós. Deposito um beijo na testa de Dianna — um beijo molhado por lágrimas que me escaparam involuntariamente dos olhos — e depois viro-me para Hellena.

      Ela está logo atrás, virada de costas com as mãos na cintura. Eu a conheço bem o suficiente para saber que quando para assim é porque estranha alguma coisa. Levanto-me e vou até ela, parando à sua frente. Ela tem o cenho franzido, o olhar perdido, a típica expressão desconfiada.

      — Isso é esquisito. — comenta, coçando o queixo.

      — O que é esquisito, Hellena? — Pergunto, sem entender. — Você deveria estar feliz! Dianna voltou, ela está bem, está viva!

      — Não. Dianna foi raptada por Drafe, se lembra? Ele simplesmente é obcecado por ela. Por que motivo a deixaria por aqui?

      Penso um pouco sobre isso. Realmente, é estranho o fato de ela surgir aqui assim, sem mais nem menos. Porém, que prova eu quero mais? Dianna está aqui, diante dos meus olhos. É ela. Que esteja magra e debilitada não muda a lembrança nítida que tenho dela, de cada aspecto, mesmo que se passem mil anos. Não tem como ser outra pessoa.

      — Drafe pode ter sido manipulado a isso, sei lá. — sugiro, incerta de minhas próprias palavras. — Ela está aqui, Hellena, fica fria.

      Ela ri, sem humor algum.

      — Eu gostaria de transferir todos os meus sonhos para você. — diz com aspereza. — Ao menos assim vai saber pelo que eu estou passando. Eu tenho que duvidar. Perdi a pessoa que eu mais amava no mundo, sofri a tortura de Birc e sou atormentada todas as noites. Qualquer coisa boa que aconteça é motivo de desconfiança para mim. Ninguém aqui sofreu como eu sofri. Como eu ainda sofro.

      — Sinto muito.

      — Desculpe, Emma, mas seus sentimentos não vão tornar as coisas melhores. — Retruca. — Eu vou definhar se vir mais alguém sofrer, mais alguém morrer. Está vendo isso? — ela aponta para os próprios olhos. — Eu não tenho mais lágrimas. Eu estou sufocada.

      Abaixo o olhar, tentando entender aonde ela quer chegar com tudo isso. A felicidade que eu sentira há apenas alguns minutos começa a desvanecer e transformar-se em confusão.

      — Eu não entendo — sussurro para mim mesma. — Dianna está aqui. Por que está tão mal?

      — Não posso te dizer... — a voz dela falha.

      Um pigarro perto da porta chama nossa atenção. Lá estão Stive, com um sorriso animado, vestido com sua jaqueta marrom sobre a blusa branca e bermuda azul, com os pés descalços; Liam, com aquele semblante insuportável de "Eu sou o dono do mundo", o que não funciona muito com as roupas maltrapilhas que usa: blusa preta com um rasgo enorme na barriga, que fora causado por uma espécie de tigre, alguns dias após nossa chegada ao porão dos Guardiões. Caio na gargalhada todas as vezes que lembro da cor sumindo de seu rosto e ele implorando por ajuda. No fim, Hellena e eu demos um jeito naquele bicho e ele se tornou um belo de um churrasco. A calça de Liam é uma combinação de sujeira, amassados e rasgões — certa vez, ele tentou subir em uma árvora para apanhar uma fruta que Hellena pedira com aquele seu dom de persuasão, contudo, como ele é um filhinho de mamãe que nunca fez nada tão arriscado na vida, acabou por ficar pendurado de cabeça para baixo pelo bolso da calça. Pobre bolso — e também não tem chinelos, pois os seus arrebentaram naquele acidente da árvore. Já Larm, este irradia superioridade. Aqueles olhos totalmente pretos causam intimidação a quem quer que seja, até mesmo a mim, que já estive tantas vezes a centímetros deles. Os cabelos de Larm estão sempre despenteados e em um bom comprimento, nunca ocultando as orelhinhas levemente pontudas, e a barba, muito bem aparada. Diferente de Liam, ele sabe fazer a própria barba e cortar o próprio cabelo sem precisar recorrer a ninguém. A blusa cinza de Larm, embora suja e encardida, não possui arranhões ou sinal de que algum tigre feroz o nocauteou. E os jeans folgados contém rasgos sim, mas apenas nas barras e nos joelhos. Sua harpa está pendurada na lateral da calça, como sempre. É parte dele.

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