7. Abaixo dos Céus

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  O que eu fiz todos esses anos, não foi te negar. Eu sempre soube que tive sorte em tê-lo como meu protegido, mas também tive medo de ter a sua segurança em minhas mãos. Eu vi os seus primeiros passos, ouvi as suas primeiras palavras, estive com você em todos os momentos da sua vida, mas também soube que o amor que eu sentia por você, era diferente. Não era só um instinto protetivo, como qualquer anjo da guarda possui, era algo mais forte. Eu acabei me apaixonando por você, e talvez isso acabe me custando tudo o que eu tenho.

  Dizer isso tudo em minha mente não vai ajudar em nada, até porque nunca vou poder dizer isso a ele. O julgamento é daqui a alguns minutos, e estou no meu quarto, sozinho, andando de um lado para o outro. O que mais me machuca é pensar que talvez nunca mais me deixem vê-lo.

- Katsuo, - vejo a porta se abrir com força, e Riku entra - mandaram vir te buscar.

- Já tá na hora? - pergunto, com as mãos suando.

- Por que acha que eu vim te chamar?

- Esqueci que essa não é sua função, porteirinho.

- Me chamou do que? - ele pergunta, se aproximando ainda mais de mim.

- É só isso que você faz, cuidar dos portões, você é porteiro ou não confiam em você o suficiente para uma função mais importante? Se não confiam, é com motivos.

- O que está insinuando?

- Que você não sabe fazer nada a não ser abrir a merda dessa boca e resmungar, deve ser por isso que você falhou como anjo da guarda e te colocaram como principado...

  Nesse momento, senti um golpe vindo em minha direção, e não tive tempo de me esquivar. Riku dispersou um soco em meu rosto, e minha primeira reação foi revidar. Pulei em cima dele, o derrubando no chão, ficando por cima do mesmo. Inicio uma sequência de socos em seu rosto, revezando entre as mãos direita e esquerda.

  Não estava ouvindo o que se passava ao redor, quando sinto mãos me puxando de cima de Riku. Dois protestades me encaravam, enquanto outro ajudava o principado. Eles agarram meus braços e me levam arrastado até o salão dos arcanjos, que estava lotado por anjos da mais alta hierarquia. Sou jogado para o centro do salão, em seguida percebo os olhares de desprezo dos outros anjos para mim.

- O Principado Riku acaba de ser agredido violentamente por Katsuo, quando foi tentar buscá-lo em sua ordem - um dos protestades diz, logo Riku entra na sala, com o nariz sangrando e o olho roxo.

- Está tentando aumentar a lista de violações, Katsuo? - Masaichi diz, enquanto me levanto do chão e abaixo a cabeça.

- Vamos logo com isso, já esperei tempo demais - Kunio se senta em seu trono, juntamente com os outros arcanjos. Os demais anjos permaneciam em pé.

- Na ausência de Katsuo - Masaichi inicia - explicamos o motivo desta reunião. O mesmo cometeu dezenas de violações e quebrou diversas regras e princípios. A questão foi passada para o Senhor, e ele deu o seu juízo. Katsuo, tem algo a declarar?

  Permaneço em silêncio, então olho ao redor. Todos olhavam diretamente para mim, inclusive Seiji, que parecia preocupado e ansioso.

- Certo, alguém tem algum testemunho que gostaria de compartilhar? - Masaichi diz, e um anjo ao qual nunca tinha falado antes, levanta a mão. - Pode falar, Akio.

- Olha, Arcanjo Masaichi, eu acredito que todos devem ter uma segunda chance - ele me olha de canto. - Mas no caso do Katsuo, tem muito mais envolvido. Como ele pode permanecer na hierarquia angelical mesmo depois de tantos pecados cometidos?

- Com licença - outro anjo levanta a mão, em seguida um dos arcanjos acena com a cabeça. - Ouvi muito sobre Katsuo ter tido contato com demônios muito recentemente, como podemos garantir que, agora, ele não é um deles?

- E se ele está apenas infiltrado aqui para nos fazer pecar também? - alguém diz no fundo, então um falatório descontrolado se inicia.

- Silêncio! - Kunio grita, fazendo todos se calar. - Vosso Deus nos deu a ordem para exilar Katsuo. Ele terá de viver na terra com os humanos e como um humano, sem o envelhecimento natural, sendo obrigado a sofrer eternamente, como punição. Alguma objeção?

  Um imenso silêncio se estabelece, olho novamente ao redor e todos parecem satisfeitos com a punição. Seiji me olhava assustado, parecendo sem saber o que fazer. Koji sorria implacavelmente, e Masaichi permanecia com a cabeça baixa.

- Então, Katsuo, você será expulso dos céus. Sua alma estará predestinada a queimar no inferno, sendo livrada apenas por um ato grandioso.

- Que a justiça seja feita - Tomoki se pronuncia pela primeira vez.

- Amém - ouço vários dizendo em voz baixa, em seguida meu corpo começa a ser puxado para fora.

Sinto todas as minhas forças sumirem, em seguida sou jogado para fora dos portões. Meu corpo ultrapassa as nuvens e começa a cair, tento bater minhas asas, mas é inútil. Olho para as mesmas, que estão em chamas. Minhas asas, antes brancas, agora possuíam uma coloração negra. A noite extremamente escura, os pingos de chuva tocam meu rosto, minha visão era quase nula. Após alguns minutos caindo, começo a ver luzes no chão. Enquanto caio, consigo ver a imagem ficando mais explícita. Os prédios iluminavam toda a cidade, e as luzes da ponte deixavam o rio mais claro. Começo a me aproximar ainda mais do chão, quando caio no rio e bato meus braços, subindo à superfície. A chuva estava ficando mais forte.

Ao sair da água, sinto algo machucando meus pés. Era uma pedra, eu estava sentindo o chão devido aos pés descalços. Ouço um latido, olho para o lado e me deparo com um cachorro pequeno me encarando. Olho para minhas asas, deve ser este o motivo da estranheza do animal. Começo a andar, a chuva ainda forte, até que encontro uma casa. Não há nenhuma claridade e nenhum carro na garagem, então creio que esteja vazia. Pulo o muro com facilidade, já que era baixo, e atravesso para o outro lado.

  Giro a maçaneta, obviamente a porta estava trancada. Pego uma pedra no quintal da casa e bato com força na parte lateral da maçaneta, abrindo a porta. A casa estava extremamente escura, enquanto ando passo as mãos nas paredes procurando por algum interruptor, até que encontro um e acendo as luzes. Começo a procurar por uma faca, precisava resolver o problema com minhas asas. Encontro uma na cozinha, era grande e parecia afiada.

  Centralizo a faca no início da asa, em seguida começo a passá-la rapidamente pela minha pele. Sinto o sangue escorrendo em minhas costas enquanto a dor começa a atingir meu corpo. Nunca havia sentido tanta dor física em toda a minha vida. Coloco uma colher de pau em minha boca e mordo, na tentativa de amenizar a dor. O sangue respinga pelo chão, então minha asa esquerda cai. Ainda faltava uma, então mais uma vez levo a faca até minhas costas. Assim que termino de cortar as duas, jogo a faca no chão e tiro a colher da boca. Vejo que havia um banheiro ao lado da sala, então ando até ele, cambaleando.

Começo a abrir as gavetas, até que encontro um estojo de primeiros socorros. Pego uma agulha e uma linha e uso o espelho para ver melhor o ferimento. Era profundo e o sangue não parava de escorrer. Passo a agulha na minha pele e começo a fazer os pontos. Minutos depois, ouço um som de carro estacionando na frente da casa, em seguida o portão se abre. Volto para a cozinha e olho pra o chão, as asas haviam virado cinzas. Sem tempo para mais nada, saio da casa pela porta dos fundos, correndo.

Lágrimas de um AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora