14. Huginn e Muninn

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Tudo o que estava acontecendo me fazia ter receio em sair de casa pela manhã. Eu poderia não voltar mais, ou talvez ser sequestrado. Venderiam meus órgãos ou até mesmo me estuprariam. Mesmo assim, eu precisava ir para a escola.

Caminho em passos lentos pela calçada enquanto penso em dezenas de coisas diferentes. Quando me aproximo do portão do colégio, o sinal toca, me obrigando a sair correndo. A direção é muito intolerante contra atrasos então se eu demorasse só um pouco mais, ficaria para fora. Por sorte, entrei a tempo.

- E aí - digo após entrar no laboratório e cumprimentar Haru, enquanto coloco o jaleco.

- Chegou atrasado, sorte que o professor não viu.

- Tô meio aéreo hoje e acabei perdendo o horário.

- E como você tá? Com aquilo - Haru diz baixo olhando ao redor.

- Ele não faz Química, relaxa, e quanto a isso eu tô de boa, se ignorarmos a parte que eu tô surtando por dentro.

- Vai dar certo fica suave, faz como eu te falei e deixa o rolar. Finge que nada aconteceu pra não pagar de emocionado.

- Aqui está o trabalho de vocês, meus parabéns - o professor nos entrega o relatório que fizemos semana passada.

- Tiramos nota máxima - digo com entusiasmo, minhas notas nunca foram muito boas nesse tipo de matéria.

- Claro, eu que fiz - ele diz com uma expressão ironicamente esnobe, em seguida ri.

Olho para a janela enquanto conversamos, quando avisto uma borboleta amarela pousada nas grades. A observo por alguns segundos, quando algo grande bate no vidro, deixando pequenas manchas de sangue. Em seguida, dezenas de corvos começam a bater na janela, caindo mortos no chão no lado de fora.

Todos começam a gritar e se desesperar, enquanto uns gravavam outros saiam para fora correndo. Tinha muito sangue escorrendo no vidro, quando ele começa a rachar pela quantidade de aves que estavam o atingindo.

- Para fora, todos! - o professor esbraveja, então saímos da sala e fomos para o corredor, onde tinham vários alunos aos gritos.

- Cara, o que foi isso? - Haru diz, enquanto tira o jaleco.

- Não faço ideia, mas foi muito esquisito.

- Já ligamos para um inspetor sanitário - o diretor diz para todos, em tom de voz alto. - Logo ele estará aqui e saberemos o motivo de tudo isso. Até lá, vocês estão liberados. Peguem suas coisas e vão para casa, as portas das salas permanecerão trancadas para evitarmos qualquer tipo de infecção, então se deixaram seus pertences lá terão de esperar um tempo. Avisaremos em breve sobre as aulas do restante da semana.

Os alunos comemoram os possíveis dias de férias e começam a sair aglomerados para fora, acompanhados de muita falação e gritaria.

- Pelo menos isso serviu pra acabar com a aula - Haru diz enquanto andamos. - Parece tão estranho quanto as vozes da minha cabeça.

- Peraí, que vozes?

- Sabe, tipo, você devia se matar, ninguém liga pra você, você deverá me servir...

- Sua alma pertence a mim... - o interrompi, lembrando dos sussurros que ouvi diversas vezes enquanto estava sozinho.

- Então você também ouve? Sabia que não era o único maluco aqui - ele diz rindo

- Eu acho que isso não é maluquice. Você não acha estranho tudo isso? Primeiro a morte de Makoto, depois o Sato e agora isso. E se isso tudo tiver alguma ligação?

- Tipo um assassino em série?

- Não, tipo... uma maldição.

- Talvez. Ou talvez também só seja muita maconha, sei lá.

Chegamos na parte de fora da escola, olhando pelo lado externo das janelas podíamos observar as dezenas de corvos mortos no chão. Era assustador.

- Acha que teremos aula amanhã? - ele pergunta, enquanto permanecemos parados na calçada observando as pessoas saírem da escola.

- Presumo que sim, essa escola odeia trancar as aulas, independente do motivo - digo olhando a saída, até agora não havia visto Katsuo saindo, isso me deixou um pouco tenso.

- Bom, então até - Haru atravessa a rua em direção à sua casa e eu faço o mesmo, caminhando pelo lado oposto.

Enquanto caminho sobre aquele sol extremamente quente, começo a ouvir sirenes altas, em seguida duas viaturas passam por mim. Elas viram para a rua oposta à da escola, vejo que não estão indo para lá. Algo sério deve ter acontecido.

Após alguns minutos, começo a ouvir passos atrás de mim. Me viro e me deparo com a rua vazia, exceto por um gato andando pela calçada.

Não se passa muito tempo até que volto a ouvir, então apresso os passos e algo toca em meu ombro.

- Daisuke! - me viro e olho para trás, Katsuo se encontrava ofegante e um pouco trêmulo. - Foi mal chegar assim.

- Relaxa. Tá tudo bem?

- Sim, eu só queria conversar com você... sobre ontem - ele diz, sinto um pouco de receio em sua voz. - Eu queria pedir desculpas. Eu sei que a gente mal se conhece, você deve estar achando estranho sei lá, mas eu sinto muito, eu...

- Não precisa se desculpar - o interrompo. - Eu meio que correspondi, então a culpa é parcialmente minha.

- É, acho que sim - ele diz e em seguida ri, passando a mão no cabelo. - Mas o que você achou? - fico alguns segundos em silêncio, enquanto ele me olha atentamente esperando alguma resposta.

- Eu gostei - solto, sem ter certeza do que isso iria significar. - Sabe, eu não sou gay.

- Eu sei - o olho um pouco confuso, tentando entender seu comentário. - Quero dizer, me disseram que você gostava de garotas, mas decidi arriscar.

- Por que fez isso? Tipo, tem garotos abertamente gays na escola e tals - tento forçar um pouco para saber se ele está a fim de mim ou se foi só impulso.

- Eu percebi, mas nenhum deles me atraiu como você.

- Ah, nossa... - minhas mãos começam a tremer e eu fico mais nervoso que nunca. Tenho certeza que meu rosto ficou vermelho nesse momento, o que me deixou com muita vergonha.

- Desculpa por isso - ele solta um sorriso sem graça e olha para o lado, desviando o olhar de mim.

- Não, eu gostei - digo meio sem pensar, então ele volta a olhar para mim, um pouco surpreso.

- É? - ele pergunta em um tom de voz baixo, se aproximando de mim devagar. Apenas quando ele está perto o suficiente consigo perceber nossa diferença de altura. Ele deve ser alguns centímetros mais alto.

- É - Katsuo segura minha mão, então posso sentir seu calor. Ela estava bastante quente, e por um segundo sinto vontade de saber se seu corpo todo está assim, então sem pensar duas vezes eu o beijo.

Fecho os olhos e coloco minha mão direta na lateral do seu rosto, em seguida sinto uma de suas mãos na minha nuca. Nossos corpos colados no meio de uma calçada qualquer parecia algo normal para o que eu estava sentindo. Meu estômago embrulhava, de um jeito bom, e minha língua passou a ter vontade própria para explorar sua boca.

  Afastamos nossos lábios, ele os aproxima mais uma vez e dá um selinho rápido, inevitavelmente eu sorrio. Parecia tão bom estar com ele que passei a esquecer que isso é errado.

Lágrimas de um AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora