8. Salto para o Inferno

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> Daisuke

- Aqui, Makoto! - grito, então Makoto passa a bola para mim e lanço a mesma na cesta após dar um pequeno salto, marcando uma cesta de 3 pontos.

- Boa! - Makoto grita, em seguida vem em minha direção e pula em minhas costas, comemorando nossa vitória contra o outro time. Em alguns intervalos da escola ou depois da aula, ficamos na quadra jogando basquete.

- Querem jogar amanhã de novo? - Saiki, um dos titulares do time de basquete, pergunta. Eles geralmente usam o tempo livre para treinar, mas sem o time todo presente, convidam os amadores.

- Claro - nesse mesmo momento, o sinal toca, desanimando todos que estavam ali.

- Até mais galera - Makoto se despede dos outros e então saímos da quadra, após retirar os coletes. Ele era amigo da maioria dos garotos do terceiro ano, já eu nunca fui muito sociável. - Qual sua próxima aula? - ele me pergunta enquanto andamos em direção aos armários.

- Química, e a sua?

- Eu tenho prova de inglês agora... E acabo de lembrar que esqueci de estudar - ele diz fazendo uma cara de desespero.

- Boa sorte - rio e me separo dele, enquanto o mesmo pega um livro em seu armário. Por sorte, minha aula seria no laboratório agora.

Entro na sala e visto o jaleco branco e os óculos obrigatórios para a aula de química. O professor ainda não havia chegado, e os alunos já estavam todos em suas mesas. As mesas do laboratório eram retangulares, haviam duas fileiras com 5 em cada, e cada uma eram para dois alunos. Eu não tinha dupla, geralmente evito ter que fazer trabalhos com alguém.

Após alguns minutos esperando, o professor entra na sala acompanhado de um garoto. Ele era baixo e tinha os cabelos castanhos escuros, e já usava o jaleco da aula.

- Senhorita Saito, pode fazer dupla com o Senhor Nakamura, bem ali - o professor diz e então aponta para mim. Fico um pouco confuso de início, percebo que os outros também ficaram, já que todos pensaram que ele era homem.

- É Senhor, e não senhorita - o garoto diz e caminha até o meu lado. Sua voz era bastante fina e seu rosto não muito definido.

- Ah sim, perdão - o professor diz e olha o registro de chamada, confuso. Confesso que eu também não estava entendendo, mas deve ser algum engano. - Bom galera, hoje a aula prática será sobre o estudado na aula passada. Iniciaremos um processo de combustão com o auxílio de um bastão de vidro - o professor pega uma caixa repleta de materiais e começa a distribuir os bastões para as duplas.

- Qual seu nome? - o garoto ao meu lado pergunta.

- Daisuke.

- Da hora, me chamo Haru. Pode me emprestar suas anotações? Fui transferido de turma hoje então não tenho nada.

- De boa - entrego meu caderno a ele e então o mesmo começa a copiar.

- Primeiro, vocês irão imergir o bastão em um béquer com ácido sulfúrico e depois, em outro béquer com KMnO4(s). Em seguida, vão encostar o bastão no algodão com etanol, e é aí que a mágica começa a acontecer... - o professor começa a explicar qual será a atividade prática, enquanto anota os passos no quadro. - No fim, vocês irão me entregar um relatório sobre a reação química ocorrida.

Todos começam a fazer suas experiências, e após alguns minutos todas as mesas estão com pequenas chamas, menos a minha e do Haru.

- Tá... Eu acho que fizemos algo errado - ele diz, sorrindo com sarcasmo.

- Ah você acha - eu digo sério, eu realmente não havia entendido o porquê de ele achar tanta graça em nossa falha.

- Relaxa aí, vamos tentar de novo - fizemos mais uma vez, seguindo as instruções corretamente, e dessa vez deu certo e uma enorme chama subiu do etanol. - Viu só. Às vezes é só questão de calma.

- Calma né, por pouco não incendiamos a sala.

- Exagerou quase nada aí - ele diz e ri novamente. Não entendo como uma pessoa pode ser tão animada. O sinal toca e todos começam a limpar as mesas.

- Me entreguem o relatório na próxima aula, pessoal - o professor diz e sai da sala.

- E então, quem vai fazer o relatório? - Haru pergunta, pegando o papel que o professor tinha nos entregado para fazer a segunda parte do trabalho.

- Ah... Eu não sou bom em gramática então...

- De boa, eu faço então, mas você limpa a mesa - ele diz tirando o jaleco e os óculos. - Até mais, Daisuke.

- Falou - Haru sai da sala e eu fico terminando de limpar a mesa, ainda tinham alguns minutos até a próxima aula.

> Narrador

Ao deixar a prova de inglês em branco, Makoto resolve cabular a próxima aula, que seria de Sociologia. O garoto sempre fora mais focado em esportes do que em estudos, e estava praticamente reprovado. Em quase todos os anos, ele passa por sorte ou pena dos professores. Hoje, resolveu deixar as aulas de lado um pouco e ter uma curtição momentânea. Sai da escola pelo muro lateral, sem ser visto, e passa em um mercadinho próximo e compra uma bebida qualquer. Em mercados pequenos, geralmente a restrição de idade não é tão rígida e costumam vender bebidas para menores.

Makoto caminha lentamente a caminho de casa, bebendo sua bebida em goles pequenos e cantarolando a música que tocava em seus fones de ouvido. Sua vida toda ouvira de sua família e professores que não tinha futuro, mais tarde passou a realmente acreditar nisso. Finalmente chega no edifício e percebe que a bebida havia acabado. A joga em uma lixeira na parte exterior do prédio e logo entra em um dos elevadores, subindo ao 9º andar.

Seu apartamento era pequeno, já que moravam apenas ele, sua mãe e seu padrasto, e os mesmos mal paravam em casa. Makoto vai até a cozinha e revira os armários e a geladeira, a procura de mais alguma bebida. Encontra uma garrafa de vinho e começa a bebê-lo, sem moderação alguma. O mesmo sente algo estranho atrás de si, e então se vira. Um vulto preto passa rapidamente, atravessando da sala de estar para o seu quarto. Resolve ir até o seu quarto, para conferir o que havia visto. Começa a caminhar em passos lentos, logo abre por completo a porta que estava semi-aberta, não encontrando nada em seguida. Pensa que talvez fosse impressão sua ou efeito do álcool.

O jovem vira o último gole do vinho e se joga na cama, alucinado. Olha para o lado e vê, no criado mudo ao lado da cama, uma foto sua criança junto de seu pai. Havia o perdido quando era muito novo, e sentia sua falta. Começa a lembrar de todos os momentos que vivera com ele antes do mesmo partir, quando percebe as lágrimas escorrerem pelo seu rosto.

- Queria que você estivesse aqui - ele diz, para si.

Nesse momento, começa a ouvir vozes vindo do lado de fora do quarto. Retira os fones de ouvido para ouvir melhor, então as vozes param. Sensações estranhas começam a vir para si, e uma necessidade nunca sentida antes começa a invadir seu corpo. Ele olha para a janela e caminha até ela, lentamente. Após a abrir, observa a altura. Certamente, uma queda dessas seria fatal. Um desejo imenso de se jogar da janela o consome, e Makoto não consegue controlá-lo. Ele sobe na parte inferior da janela e olha uma última vez para a foto de seu pai, antes de pular. Talvez dessa forma, ele o encontre novamente.

Lágrimas de um AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora