11. Corredor de Sangue

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> Katsuo

A terra é diferente quando olhada lá de cima. É mais... bonita? Silenciosa, com certeza, e não dá tanto medo. Deve ser porque não tenho mais poderes e não posso voar. Agora eu sou humano, e me sinto extremamente fraco.

  Termino de me arrumar, coloco a mochila nas costas e saio do apartamento. Ele era pequeno mas serviria por algum tempo. Começo a caminhar e paro para arrumar a gravata, no céu só usávamos camisa social então não estou acostumado.

  Passo pela porta e vou em direção aos armários, pego o material da primeira aula e vou para a sala. Ainda faltavam uns dez minutos para o sinal bater então eu estava tranquilo. A manhã estava calma e tranquila, mas mesmo assim eu não estava com uma sensação boa.

- Ah, qual é Sato? Passa os exercícios aí - assim que entro na sala, ouço uns garotos provocando um outro que sentava no fundo. Resolvo ignorar e sento no meu lugar.

- Tá querendo apanhar, moleque? - Sousuke diz, tomando o caderno do garoto que estava sentado. Ele abaixa a cabeça e não diz nada.

- Bom dia - a professora de Japonês Moderno diz entrando na sala com uma pilha de livros nas mãos. - Sentem-se nos seus lugares que já vamos começar.

Os garotos que estavam em pé se sentam e a sala fica em silêncio enquanto a professora começa a escrever algo no quadro. Olho ao redor da sala e percebo que Daisuke não está, por algum motivo ele faltou. Deve ter acontecido alguma coisa, ele nunca foi de faltar aula sem motivo.

Algum tempo se passa e eu precisava amenizar o tédio da aula, já que não tinha como eu sair da escola para ver o que aconteceu com Daisuke, levanto a mão e peço para ir ao banheiro.

Ando pelos corredores e logo chego em frente à porta que dava acesso aos banheiros. Entro no que correspondia ao masculino e vou até uma das cabines, prefiro não usar os mictórios. Ouço um grito alarmante e desesperador vindo do corredor, seguido de um disparo. Saio do banheiro correndo e vejo um corpo no chão, sangue escorria por todo lado. Ao redor não havia mais ninguém de início, mas logo começaram a chegar funcionários juntamente com alunos que saíam de dentro das salas.

Sou empurrado por alguns curiosos que passaram a rodear o corpo, quando começo a ouvir vozes. Olho para trás e vejo um vulto preto correndo para dentro da biblioteca, ao presumir o que seja saio correndo atrás do mesmo. Abro a porta da biblioteca e me deparo com o que eu já havia previsto: um demônio.

- E então... - a criatura começa a resmungar com sua voz rouca - me conta como foi isso. Desceu para a terra para proteger melhor o seu amor?

- Ryotaro...

- Então você lembra de mim - sua voz possuía um tom sarcástico e me deixava com nojo. - Me sinto lisonjeado.

- Foi você que causou aquilo?

- Aquilo e muitas outras coisas. Confesso que aqui é bem mais divertido que aquele submundo que tinham me jogado.

- Vá embora e deixe essas crianças em paz.

- Se não o quê? Pelo que eu me lembre você não é mais anjo, e consequentemente não tem mais poderes - ele diz e começa a rir. Me vejo em um beco sem saída, atacá-lo seria arriscado demais, não para mim mas sim para Daisuke. - Mas olha, tenho uma proposta interessante pra você - ele se aproxima de mim devagar.

- Não quero nada vindo de vocês demônios.

- Calma, é uma coisa boa. Sabe, isso beneficiaria tanto você quanto nós demônios, fora que você receberia seus poderes de volta. Quero dizer, voltaria bem mais forte do que antes.

- Não vou me juntar a vocês.

- É claro que não, mas caso mude de ideia eu estarei aqui. Eu estou em todo lugar na verdade - em um piscar de olhos o demônio não estava mais lá e eu me via sozinho na sala.

Saio novamente para o corredor e ainda tinham várias pessoas, a escola estava um caos. Os professores estavam liberando os alunos para fora aos poucos, e paramédicos haviam acabado de chegar. Ouço o som das sirenes da polícia do lado de fora, e tinham várias pessoas chorando em desespero nas salas.

Passo pela multidão e saio da escola, começando a caminhar sem rumo. Não sabia o que fazer, o mundo ao meu redor estava um caos e eu estava sem opções. Não tenho contato com o céu para avisar sobre nada, se bem que a essa altura alguém já deve estar tomando alguma providência. Pelo menos eu espero.

Continuo caminhando pelas ruas de um bairro pouco movimentado da cidade, quando vejo um garoto sentado no chão. Ele estava chorando com uma garrafa de uísque na mão, eu poderia simplesmente ignorá-lo mas algo em mim não permitiu. Me aproximo e percebo que era o menino da minha classe, de hoje mais cedo.

- Sato, não é? - pergunto, não obtendo resposta alguma. Me sento ao seu lado e fico em silêncio pensando no que dizer.

- O que você quer? - ele pergunta, se virando para mim. Olho para o seu braço e noto vários cortes em seu pulso, pude perceber que eram recentes. Percebendo o meu olhar, ele abaixa a manga da blusa, cobrindo os braços.

- Me chamo Kobayashi, Katsuo Kobayashi. Fazemos Japonês juntos e eu...

- Eu sei quem você é - ele diz, me interrompendo. - Você é o cara que bateu no idiota do Sousuke.

- É...

Ficamos um tempo em silêncio, ele toma um gole do uísque e termina com a garrafa, a jogando na rua em seguida.

- Akinori Sato... - ele diz, quebrando o silêncio.

- O quê?

- O cara que acabou de morrer no corredor do colégio.

- Você o conhecia?

- Ele era meu irmão.

Sinto o seu suspirar pesado e a tristeza em seus olhos. Deve ser por isso que ele estava chorando a poucos minutos atrás.

- Eu lamento...

- Eu vi que você era o único que tava perto do meu irmão quando ele morreu. Você viu o que aconteceu? - ele pega uma cartela de cigarros do seu bolso e coloca um entre os lábios, o acendendo com um isqueiro.

- Não, eu tava no banheiro quando ouvi um tiro, cheguei lá e ele já estava no chão.

- Não viu mais ninguém por perto?

Lembro do demônio que estava no corredor, mas eu não podia dizer isso ao garoto ou ele acharia que eu sou maluco ou algo assim.

- Não.

- Tem certeza?

- Tenho - o ouço suspirar, em seguida dá uma tragada no cigarro. - O que houve com seu braço?

- Isso não é da sua conta - ele se levanta e sai caminhando pela calçada, me levanto e começo a seguí-lo, não podia deixá-lo sozinho ou iria cometer alguma besteira. - Vou perguntar mais uma vez, o que você quer?

- Só quero saber se você precisa de alguma coisa, ou sei lá...

- Por que eu precisaria de algo?

- Você acabou de beber uma garrafa de uísque sozinho, não acho que isso seja bom.

- E o que você tem haver? Meu irmão bebia muito, todos os dias. Peguei a garrafa e os cigarros no quarto dele depois que saí da escola - ele dá mais uma tragada no cigarro e o joga no chão. - Não deu nem tempo de ele ter cirrose pela bebida ou overdose pelas drogas, já que algum filho da puta meteu um tiro na cabeça dele só com a porra de 17 anos! - ele quase grita enquanto diz e volta a chorar.

- Olha, você não precisa...

- CALA A BOCA! - ele grita e se afasta. - VOCÊ NEM CONHECIA ELE. Você... nem me conhece, porra!

Ele se afasta ainda mais e então começa a correr. Não tem mais o que eu possa fazer, eu tentei. Não posso consertar o que os demônios fizeram, mas posso tentar impedí-los de fazer de novo.

Lágrimas de um AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora