ANA
A cidade era linda.
Parecia uma versão da cidade de Ventura de "Chocolate com Pimenta" mais moderna. Tinha os prédios, árvores, casas belíssimas e até mesmo uma praça.
Tínhamos feito uma reserva na pousada da cidade que era um pouco afastada do centro, o que era melhor, assim poucas pessoas veriam a gente com tanta frequência.
Já era quase de noite quando chegamos e estávamos cansadas. Ainda precisávamos nos ambientar e ensaiar para minha entrevista de amanhã.
A pousada Expresso Oriente era linda. O nome me lembrava do livro da autora Agatha Christie, mas o local em si parecia algo em que a Dona Benta do Sítio moraria.
Ele era todo pintado de tinta creme, com as bordas das janelas e portas de madeira brilhante. Cada canto das bordas e das vigas tinham plantas belíssimas expostas. A porta da frente era daquelas duplas e que estavam ambas abertas agora. Iluminadas por uma luz amarela convidativa.
Ao entrarmos, vimos que a entrada com o balcão ficava a direita e à esquerda ficava uma sala de estar com uma linda lareira, poltronas e sofás confortáveis que me chamavam pra descansar ali lendo um livro ou tomando um chá.
— Nossa, já cheguei aqui querendo uma soneca gostosa naquele sofá diante da lareira. – Minha irmã murmurou e eu aceno em concordância.
— Boa noite, me chamo Agatha! Em que posso ajudá-las? – Uma voz feminina perguntou e nos viramos para ver uma senhora ali. Ela era alta, o cabelo grisalho ondulado solto, vestindo mom jeans e uma camisa da flanela xadrez enfiada na calça.
Ela tinha um sorriso caloroso e jovial, mesmo que já aparentasse já ter idade.
Imediatamente a adorei.
— Boa noite! Me chamo Ana e essa é a minha irmã Sara, fizemos ontem uma reserva de um quarto com duas camas aqui, está no nome Machado. – Termino com um sorriso.
— Ah sim! Só um minuto, meu anjo. – Ela continua a sorrir e abre um livro imenso na mesa, provavelmente com todas as reservas desse ano. Começa a seguir com o dedo na caneta até achar nossa reserva. — Machado! Achei! Quarto 302.
Ela se vira e pega duas chaves no quadro de chaves atrás dela.
— Vamos lá, meninas. Imagino que estejam cansadas e precisem descansar, então amanhã darei o tour pela pousada. Temos apenas três andares aqui, mas cada andar tem cinco quartos. Sendo de casal, solteiros e até dois deles tem a opção beliche. A cozinha fica aqui no térreo. Se seguirem a sala de estar, ela vai dar na sala de refeições e leva uma porta a cozinha. Servimos café da manhã das sete até as dez e damos a opção do jantar também. Mas qualquer coisa, só me procurar ou ao meu marido, César. Ele não está aqui agora porque foi ver o problema do nosso carro na garagem. Vou levar vocês lá
Ela falava bem rápido, mas só a palavra jantar que penetrou minha mente faminta. Queria comer e dormir. Ou dormir e comer. Nem sabia mais.
Tinha uma escadaria de madeira belíssima que levava aos andares, mas do lado também tinha um elevador pequeno que dava pra cinco pessoas e subimos.
— Podem utilizar tanto o elevador quanto as escadas. Só aviso que as escadas costumam ficar mais livres. – Ela riu.
— Desculpa ser intrometida, mas o nome daqui, é em homenagem ao livro? – Pergunto não conseguindo mais me segurar.
— Da incrível rainha do crime Agatha Christie? Com certeza! Meu nome não é em homenagem a ela, mas assim que botei as mãos em seus livros, sabia que estávamos conectadas. Mistérios são minha paixão, e sempre quis um lugar só meu pra nomear a ela. Se vocês precisarem de um livro dela, eu tenho todos... mas a biblioteca da cidade deve ter eles em capas mais novas.
Abano com a mão. E minha irmã ri.
— Minha irmã trabalhava em uma editora de livros. Se tem alguém que ama livros em todas as duas formas, é ela.
Os olhos da dona Agatha brilham e eu sinto aquela felicidade que sentia ao pensar em livros.
Os livros sempre me permitiram escapar da minha realidade e viajar pra outras. Mergulhar em uma vida que não era tão triste ou solitária quanto a minha.
Livros me permitiam viver vidas de princesas, donzelas, lutadoras ou guerreiras. Me permitiam voar, sonhar, criar e imaginar. Livros me ajudaram no pensamento crítico, na criatividade e a pensar por mim mesma. Eles me deram abrigo quando me senti sozinha.
Eles eram meus melhores amigos depois da minha irmã e da minha mãe.
Então fazia sentido crescer e trabalhar com eles também.
Dona Agatha vira pra mim com os olhos brilhando.
— Como é? Trabalhar com livros? Viver na magia? Eu amo minha pousada, mas isso também deve ser incrível.
— É ótimo, não vou negar. O cheiro de livro novo, descobrir novos autores incríveis e estar em contato com autores que já amo é tudo de incrível. Mas as vezes é cansativo. Reuniões o tempo todo, alguns autores temperamentais, ler livros em tempo recorde e as vezes falar pro autor que ele poderia mudar isso ou aquilo... mas fora o caos que as vezes rola, eu gosto. Mas essa pausa também é bem-vinda.
— Ah, então estão de férias?
— Sim! Eu sou confeiteira, dona da minha própria loja, então podia tirar férias quando quisesse, mas esperei minha irmã para que pudéssemos descansar juntas. A gente merecia.
— E como acharam nossa cidade? Sei que somos conhecidos, mas geralmente pessoas passam aqui pros recomendação.
Sara e eu já tínhamos falado sobre isso. Cidade pequena e todos gostam de saber de tudo, então tentamos lidar com a verdade pra não nos enrolarmos muito com mentiras.
— Nossa mãe adotiva faleceu recentemente e precisávamos de um tempo pra não recuperarmos. Procuramos um local calmo e escondido de tudo, e também bem bonito. – Minha irmã volta a responder.
Uma grande verdade e uma pequena mentira.
— Nossa, sinto muito, meninas! Que Deus guarde a alma da mãe de vocês e que aqui possam descansar e encontrar a paz que vocês precisam.
Também esperava isso.
Com todas as forças.
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ENFIM, LIBERTA
RomantikSINOPSE: Ana sempre sentiu um vazio, uma desconexão com o mundo desde criança. Ela foi abandonada quando bebê na porta de um orfanato e adotada aos doze junto com sua irmã de coração. Mesmo assim, ela se sentia estranha. Esse vazio só aumenta quando...