CAPÍTULO 1

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VOLTAMOS!
Eu já havia postado ENFIM, LIBERTA uma vez e a história não andou como eu queria. Não parecia que eu tinha feito justiça a essa personagem que sonhei tantas noites.
Anos se passaram e nunca consegui esquecer essa história, mas também não conseguia reescrever de uma forma que amasse...
Até que um dia , tudo bateu como um trem de carga e agora estamos aqui.
Espero que dessa vez eu consiga fazer jus a Adanna.
Espero que vocês embarquem comigo nessa história diferente de todas que escrevi e ao mesmo tempo com romance e comédia que vocês e eu tanto amamos.

ESPERO QUE GOSTEM!

Postagens: Quarta e domingo
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ANA MACHADO

A parte mais estranha de ser órfã, é esse sentimento de desconexão com o mundo. É como se eu fosse uma ovelha desgarrada do rebanho.

Uma excluída.

É como se eu não pertencesse a nada e nem a ninguém. Como fui deixada quando bebê para as freiras cuidarem, nunca conheci esse sentimento de familiaridade que temos com nossos entes de sangue. Sempre senti amor, carinho e lealdade. Mas nada daquela coisa louca que só quem compartilha o laço sanguíneo entende.

Por isso que quando comecei a ter noção desse sentimento e do que ele realmente era, resolvi fazer minha própria família. Criar minhas próprias conexões com outros seres que não ligados a mim por sangue, mas por um outro laço tão forte quanto: amor.

Foi assim que aos dez anos conheci a Sarah. a conheci no orfanato Santa Isabel da Luz, na cidade do Rio de Janeiro. Éramos duas crianças de muitas que existiam ali que tinham a esperança de achar uma família e se acharam antes que qualquer adulto pudesse. Críamos um vínculo que as freiras ficavam chocadas, foi rápido e era como se já tivéssemos nascido irmãs. Éramos da mesma faixa etária, mas agíamos como se fossemos mais velhas. Éramos tão diferentes e nos encaixávamos até nisso. Eu, negra e dos cabelos crespos que eram indomáveis e Sarah, que hoje eu sei que parecia a versão da Mérida só que mais desastrada ainda.

Era dessa forma que conseguimos passar por várias rejeições e problemas. Nossa amizade nos permitiu que nada nos abalasse porque tínhamos uma a outra. Toda hora era uma coisa, e para nós até que estava tudo bem porque tínhamos um plano.

"Quando fizemos dezoito, vamos morar juntas."

Como? A gente não sabia, mas tínhamos uma certeza inabalável na nossa amizade e no futuro brilhante que várias noites criávamos enquanto olhávamos as estrelas escondidos lá no telhado do orfanato.

Éramos crianças com fome nos olhos e sonhos nas mentes. Tínhamos vontade de ser tudo aquilo que quem abandonou a gente não chegaria a ver. Mesmo quando a gente achava que nada daria certo, nos segurávamos na ideia de que precisávamos de ninguém, só da gente.

E isso foi até que um dia ela apareceu.

A mãe que não sabíamos que precisávamos até que ela nos olhou, um com a mão no outro e sorriu para gente.

Nossa mãe, Dora.

Lembro até hoje quando ela entrou no quarto de jogos em que estávamos brincando. Branca e de óculos que nem minha irmã, com um sorriso tímido e os olhos brilhando que nem os meus. Era como uma mistura perfeita de nós duas. Não sabíamos o que ela pretendia ali, mas quando nos olhou, apertamos as mãos dando logo uma uma declaração que ninguém nos separaria.

Mas ela nunca pensou em nos separar, e éramos gratas por isso.

Ela era a mãe que secretamente pedíamos e que Deus fez no melhor dos moldes.

Dora tinha um sonho de ser mãe e era isso. Não pensava em casar. Não pensava em idade, em tamanho, cor, gênero... nada disso. Ela só sabia que queria ser mãe.

E foi isso que ela sentiu quando nos viu.

"Vi vocês e sabia que meu mundo estava completo. Eu não ficaria mais sozinha, e nem vocês."

E foi isso que elas nos disse também.

Demorou um pouco, porque mesmo que ela tivesse dinheiro e meios, ela era solteira e éramos duas crianças. Mas quando ela finalmente conseguiu nossa guarda definitiva, foi como final de Copa do Mundo no meu coração. Minha mãe tinha marcado o maior dos gols e o meu time com minha irmã e eu éramos a vencedoras.

Então o planos de morarmos juntas mudaram e se tornaram os planos de finalmente ter alguém que cuidasse e olhasse pra gente como víamos na TV. Dora nunca nos deixou faltar nada e nos deu amor além da medida. E foi assim que eu, uma menina sempre tão pé no chão, ousou sonhar além.

E foi esse sonho que preencheu meu coração e da minha irmã de alma aos treze para quatorze anos.

E foi ele que me preencheu até os vinte e oito.

Até agora.

Hoje era o dia em que eu enterrava minha mãe e era como se eu voltasse a ser aquela menina pequena com uma certeza inabalável de solidão.

Como a gente se recupera disso? Como dizemos adeus a melhor coisa que encontramos?

"Preparo vocês para o mundo, minhas crianças. Para o mundo que um dia vocês terão que viver sem mim."

Ela disse isso quando éramos adolescentes. Nunca fomos muito rebeldes, mas quando esses momentos ocorriam, ela nos sentava e dava esse sermão sobre a vida. E ao mesmo tempo, nunca pensamos que um dia ela iria embora.

- Como queria que a mãe estivesse aqui para brigar comigo sobre beber vinho direto da garrafa. – Sara disse ao meu lado no sofá gigante da sala da nossa mãe. Ela toma um gole direto da garrafa e passa para mim.

- Também queria, mesmo que ela fosse brigar com a gente por estarmos bebendo direto da garrafa e nem ser quatro da tarde ainda. – Suspirei. Ficamos ali assim, meio bêbadas, tristes e cheias de saudade.

Balancei a cabeça sabendo que minhas palavras eram a mais pura verdade.

Nossa mãe odiaria nos ver assim.

Engoli todas as lágrimas que queriam aparecer agora. Ela faleceu ontem e a enterramos hoje.

Precisávamos de tempo para nos reorganizamos tanto emocionalmente quanto fisicamente. Mas depois disso voltaríamos a ficar de pé.

Porque foi assim que nossa mãe nos criou.

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ENFIM, LIBERTAOnde histórias criam vida. Descubra agora