CAPÍTULO 8

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ADANNA, 1915

Era bom andar e sentir o vento no meu rosto. Andar sem me preocupar com nada, com ninguém me encarando com maldade, me julgando ou com outros sentimentos ruins nos olhos.

Desde que minha mãe fugiu comigo e com minha irmã não nascida na barriga, nossa vida mudou maravilhosamente pro melhor.

Era um quilombo muito escondido no interior do Rio de Janeiro. Mamãe havia garantido que era muito longe da fazenda e que agora estávamos seguras.

Haviam muitas mulheres ali, e fomos bem recebidas, mesmo que eu ainda ficasse desconfiada no começo de tudo. Era um lar para várias mulheres. Um mito que ninguém acreditava que fosse real. Cada mulher tinha seu espaço. Até uma casa só nossa tínhamos. Era minúscula, mas era nossa.

Só nossa.

Depois de um tempo comecei a ficar mais tranquila sobre ficar ali e comecei a explorar. Comecei a querer a aprender a me defender como as outras mulheres do meu quilombo. Queria ter nas mãos o meu destino como minha mãe tinha feito com ela mesma tantos anos antes.

Cresci cercada de mulheres fortes que acreditavam na liberdade como um modo de vida e não apenas uma palavra. Cresci aprendendo costumes que nunca tinha ouvido falar muito porque minha mãe tinha medo demais antes, de me ensinar qualquer coisa sobre minha herança africana.

Aprendi a ler, a escrever. Aprendi sobre tranças e seus mapas. Assim como todas as mulheres do quilombo, meu cabelo agora era trançado com um mapa de casa, para nunca me perder. Aprendi sobre iorubá, sobre vir da Nigéria, sobre descender de impérios, reis e rainhas. Aprendi que fui roubada – mas isso já sabia desde cedo –, que foi vendida e que o mundo em que vivíamos era injusto de muitas formas, mas não era um lugar ruim.

"Enia lásán po ju igbe; enia rere han jú ojú."

"As pessoas más são comuns como os arbustos, mas as boas são raras como os olhos."

A verdade foi que sempre tive fome de conhecimento, todas ali tinham, mas muitas esqueceram o dialeto ou foram tão doutrinadas a aprender os costumes daqui do Brasil, que tudo que sabíamos era o que conhecemos aqui.

Então adaptamos o que aprendemos com o que lembramos. Agrademos a Deus em todas as suas formas, saudamos a natureza e seus elementos, comemos a comida partilhando e abençoando.

Foi assim que um dia pedi pra minha mãe para ir passear, queria andar por aí e desbravar um pouco do mundo que pouco conhecia.

Minha mãe não queria a princípio, tinha muito medo por mim, mas minha mente estava feita sobre isso.

— Então, vá, Adanna! Vá! Mas não diga que não avisei. – No dia seguinte, eu parti.

Eu tinha vinte anos e achava que sabia de tudo.

Acontece que a vida me mostrou que sabia era de nada.

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ENFIM, LIBERTAOnde histórias criam vida. Descubra agora