CAPÍTULO 19

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ANA

Não sei ao certo no que me meti, mas caramba, tinha uma sensação de que talvez não saísse viva disso.

Em cinco horas tomando conta dessa menina, ela já testou minha sanidade quinhentas vezes.

Bem que eu suspeitava que ela tivesse a personalidade do pai. Mas caramba, isso explicava também o motivo de tantas babás.

Mas tentei relevar tudo isso porque quando pequena, também era possuída pelo espírito do demônio da Tasmânia. E fora que se o que seu pai disse era verdade, muitas babás só achavam que a menina era um meio até ele, então brincaram muito com os sentimentos de uma criança pequena.

E disso eu entendia bem.

Quantos nãos eu ouvi quando estava no orfanato.
Quantos casais já não chegavam com uma lista da criança perfeita e minha descrição não se encaixa nela...

Por isso que quando minha mãe chegou, demorei tanto a aceitar que finalmente minha vez havia chego. Demorei a compreender que não era uma brincadeira, não era mais uma esperança falsa...

Era real.

Por isso que mesmo que eu tivesse feito uma faculdade diferente, sempre tive uma empatia muito grande em relação a crianças. Esse entendimento de que quando ela faz birra, não é só isso. Tudo tem o por que se olharmos bem atentamente.

Maya no momento me testava ao pregar peças. E peças que olha, se eu não tivesse feito coisas parecidas ou iguais, teria já pensado em esganar essa linda pestinha.

— Maya! Não adianta fazer a pegadinha da porta comigo. Eu consigo ver o balde de água suja ali em cima! — Digo perto da porta do quarto de braços cruzados.

Ouço um barulho antes que a pequena apareça com os olhos bonitos cheios de travessura e um pouco de culpa.

— Como você sabia que ele estava ali? Quase ninguém vê.

Quase quis revirar os olhos.

— Esse truque é antigo, e eu já fiz muito dele antes com algumas freiras.

Ela me olha curiosa, no alto dos seus sete anos.

— Freiras? De onde você veio?

— Vem comigo que eu te conto, mas sem pegadinhas! Ou vou pregar algumas em você também! Me entendeu?

Ela balança a cabeça e se espreme entre o vão do quarto e da porta para o balde não cair nela. Fico na ponta dos pés e tiro o balde de lá, evitando algum outro desastre por aí.

Coloco o balde no canto e levo a pequena em direção a biblioteca, onde sentamos no sofá, uma de frente pra outra.

— Eu fui deixada quando bebê na porta de um orfanato, e fui criada pelas freiras de lá até encontrar minha família.

— Como assim? Quem te deixou lá?

Suspiro antes de contar toda a história. Agora era mais fácil pra mim, mas contar pra uma criança pequena as complexidades de ser uma criança que já foi não quista, pode não ser fácil.

— Minha família me abandonou ainda bebê lá. Eu fiquei no orfanato desde então a espera de ser adotada, mas muitos casais já queriam filhos de jeitos específicos e eu não me encaixava. Fui ficando e as freiras continuavam a me criar até que um dia, a minha mãe adotiva finalmente apareceu e deu um lar para mim e para a minha irmã de alma.

Seu rostinho enruga.

— Irmã de alma? Como assim?

— É que a Sara também estava no mesmo orfanato que eu. Nos tornamos amigas muito jovens e essa amizade virou uma irmandade. Era uma com a outra pra tudo e contra tudo.

Ela baixa o rostinho e consigo notar um pouco de mágoa nela.

— Tipo eu e o papai. Acho que a minha mãe também não me quis. Agora somos só eu e o papai contra o mundo.

Ouvir aquilo de uma criança tão pequena partia o meu coração. Era bom que ela soubesse quão importante o pai dela era na vida dela, mas caramba, ela não devia ter essa consciência de rejeição tão nova.

Como eu tive.

Agacho na frente da pequena e tomo sua mão na minha. Sinto uma corrente elétrica passar entre nós, mas ignoro a sensação e a encaro com um sorriso.

— Aprendi que família também pode ser aquela que a gente escolhe. Aqueles que estão sempre com a gente para que não sintamos falta de mais ninguém. Você tem seu pai, sua avó, seus amiguinhos e se parar de pregar peças em mim, tem até eu.

Ela levanta o rostinho com os olhos brilhando. Caramba, não sei o que essa menina tinha que mexia tanto comigo.

— Sério? Sério mesmo? Sério seríssimo?

— Sério seríssimo.

Seus olhos logo se arregalam e ela pula do sofá animada.

— Então agora que você é minha amiga, vamos brincar de pregar peças nos outros.

Agora é a minha vez de arregalar os olhos antes de sair dali com ela.

Agora a missão era tentar fazer com que ela não pregasse peça em mais ninguém enquanto eu estivesse ali.

Se bem que faltava apenas umas duas horas pra acabar meu primeiro dia e acho que a parte mais difícil eu consegui fazer: conquistar a menina.

A parte mais complicada viria a seguir: me esgueirar para procurar pistas.

Estava saindo do quarto para ir atrás da Maya quando ouço um barulho alto e depois um barulho de água caindo.

Merda.

O balde!

— MAYA! – Grito antes de ir em direção ao quarto dela e a vejo parada ali com um sorriso culpado no rosto e seu pai, o gostoso porém arrogante, Dante Lombardi com água suja dos pés a cabeça.

A roupa social colava em seu corpo como uma segunda pele. Ele me olhava com um misto de irritação e zombaria, então resolvi ter menos pena ainda ao lembrar de mais cedo.

Você bem que mereceu, senhor Lombardi.

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