CAPÍTULO 3

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ANA

Estávamos ainda reunidas no quarto da nossa mãe com notebooks e as cartas espalhadas.

Agora estava lendo o caderninho com as anotações e minha irmã revirando o resto das coisas.

— E então, o que você acha? - Sara me pergunta.

Largo o caderninho ainda meio absorta com as informações.

— Ainda não consigo acreditar que ela era minha tia, que minha mãe biológica...É tudo surreal! – Uma lágrima escorreu do rosto da minha irmã e apertei sua mão.

Fazia pouco tempo que tinha ouvido isso e ainda doía de alguma forma. Essa história, a forma como a irmã da nossa mãe sofreu...

Sempre senti esse vazio em relação a minha vida, e quando pensei em formar minha própria família, nunca pensei nessa virada dos acontecimentos.

Nossa mãe tinha ido atrás da nossa história e os desdobramentos eram ainda piores.

Acontece que Diana e minha mãe eram de família rica. Diana era a mais velha e tinham muitas expectativas em relação a ela. Acabou que ela se apaixonou pelo filho do jardineiro e engravidou.

Os pais dela descobriram a gravidez e a esconderam do mundo, visto que já tinham um pretende considerado mais "adequado".

Diana estava muito fraca quando entrou em trabalho e acabou não resistindo. Os pais deram o bebê por não conseguirem olhar o próprio neto.

A história era triste, mas teve um final feliz. No final de tudo, a irmã amada da Diana tinha encontrado sua filha por meio do destino. Era muito agridoce em muitos níveis e podia ver minha irmã abalada.

Mas também me abalava o fato de que não havia nada sobre mim. Quanto mais informações chegavam sobre minha irmã, mais pontos de interrogações chegavam sobre a minha.

Eu continuava sendo ninguém.

Quem sou eu?

Pertenço a algum lugar? Qual meu propósito nessa terra que as vezes me sufoca?

Engoli a vontade de chorar ao encarar minha irmã.

— Não se preocupa porque isso não muda nada, viu? Eu por você e você por mim. – Digo tentando ser forte.

— É isso aí! Essa descoberta inesperada não muda que eu tenho a melhor vida e conheci as melhores pessoas que Deus poderia ter colocado na minha vida! – Sara completa antes de beijar minha cabeça.

Eu aperto a mão dela e resolvo desabafar o que estava me incomodando.

— Amo vocês demais, e eu não sei o que seria de mim sem vocês. – Suspiro antes de continuar. — Mas quero descobrir sobre mim, sei que é egoísta. Mas quero descobrir esse mistério e porque é tão difícil achar sobre mim. Por que? Qual o mistério?

— Tanto nas anotações como no caderninho só relatam da mamãe falando que as freiras disseram que a pessoa que te deixou estava encapuzada e elas só viram de longe porque a pessoa já estava correndo, mas todas pensaram que fosse uma mulher. — Sara diz.

— E se entrássemos em contato com esse investigador? Procurássemos saber os detalhes e se por acaso descobriu alguma coisa nova. A última data que mamãe relata foi um pouco tempo antes dela voltar para o hospital por conta do tratamento. Ficávamos lá com ela o tempo todo, teríamos visto alguma coisa... – Antes mesmo de concluir, levanto e vou em direção a primeira gaveta da mesa de cabeceira que continha o celular dela.

Desbloqueio e procuro conversas.

Sempre soubemos a senha uma das outras, nunca pensávamos que teríamos segredos ou coisas a esconder.

Nunca pensei que teria o que desconfiar de alguém que eu amava.

Mas essa era a minha vida agora.

— Aqui está! I. Davi Pinheiros. O I deve ser de investigador, não é? É o único número que eu não reconheço dos que estão salvos.

— Só pode ser! Manda uma mensagem pra ele, fala que vamos nos encontrar hoje aqui em casa.

— Se ele já souber que a nossa mãe morreu? Se foi uma coisa sigilosa?  – Questiono já nervosa.

Mãe, pra que tantos segredos?

— Manda uma mensagem mesmo assim pra ele vir pra cá com tudo que ele achou de novo. Se ela já sabe que nossa mãe morreu, ele pelo menos vai ficar curioso pra falar conosco. Temos que tentar. – Pontua a Sara e decido que ela tá certa.

Mesmo um tanto nervosa com toda aquela situação, digito uma mensagem para o investigador que menos de dez minutos depois responde falando que poderia ir na nossa casa as dezoito horas de hoje é que tinha novas provas.

Depois de repassar a resposta para minha irmã, resolvo ficar um pouco sozinha. Vou até a varanda na parte da frente e me enrolo na manta que fica ali disponível e observo as pessoas passando e continuando suas vidas.

Sempre pensei que tinha resolvido essas questões dentro de mim. Que não precisava saber quem era e de onde eu vim porque tinha plena consciência de quem me tornei era independente de tudo isso.

Mas agora que podia alcançar essas respostas... Uma curiosidade misturada com medo voltou a me envolver.

Tinha esse sentimento que gritava dentro de mim falando dos perigos que essa descoberta traria. Essas novas pistas poderiam e provavelmente iriam mudar tudo que sempre tinha parcialmente aceitado.

Meus pais não me queriam? Tudo bem, Deus me deu uma irmã de laço e uma mãe por escolha.

Mas ninguém nunca veio me procurar? Tudo bem também, as vezes podiam ser péssimas pessoas.

Minha mãe tinha nos colocado em uma psicóloga logo depois que conseguiu nossa adoção definitiva . A Dra. Rayane, ou Nane para todos nós, sempre nos ajudou individualmente a trabalhar essas questões.

Tanto que vamos nela até hoje.

Uma vez, em uma das consultas, fomos falando da minha família biológica e foi como se eu sentisse esse vazio, esse sentimento triste que consumiria se eu pensasse nos diversos porquês. Então, apenas trabalhei em respostas práticas que me faziam aceitar minha vida de agora com uma maior leveza do que ficar pensando nessas coisas.

Até agora.

Agora eu seria confrontada com tudo aquilo que pensei estar resolvido.

Mas será que estava realmente resolvido?

Um medo de repente toma conta de mim e não entendo direito o motivo, mas parece que estava sendo observada. Olho para os lados na varanda e não vejo nada, não vejo ninguém.

Ainda assim...

Um arrepio me percorre dos pés a cabeça e resolvo entrar para esperar o investigador.

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