nove - inconscientemente

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Capítulo 9 de estranhamente.

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Anthony Trollope um dia falou sobre Camila: maravilhoso é o poder que pode ser exercido, quase inconscientemente, sobre uma empresa, ou um indivíduo, ou mesmo sobre uma multidão, por uma pessoa de boa índole, boa digestão, bom intelecto e bom aspecto. Não há dúvidas em mim que ela não seja assim, e acredito que Camila poderia fazer qualquer coisa no mundo porque ela simplesmente fazia isso inconscientemente, o que é bem maior do que o consciente consegue fazer.

O consciente fala sobre muitas coisas, mas o inconsciente grita em silêncio e conduz quem somos. Foi meu inconsciente que agiu primeiro e me moveu até Camila antes mesmo que meu consciente aprovasse o que estava fazendo. Isso foi tanto antes, quanto agora, que eu a observava na sala porque aquela seria uma de minhas poucas visões até ter de ir embora.

De certo modo, eu estava feliz por poder fazer isso nesse raro momento em que não precisei ir para a clínica por alguma razão que desconheço completamente e não me importo. Um dia a menos não me faria regredir, certo?

Mas não é como se eu visse muita coisa, eu apenas sabia que estava assistindo a alguma coisa, seu perfil bonito se exibindo para o mundo, provando como ela era magnífica e estava acima de um padrão, porque ela era assim, ela era Camila e Camila era seu próprio padrão surpreendente.

Camila, uma mulher cuja intensidade a domina tanto que ela se torna um mundo. Isso faz mesmo sentido de uma forma perfeita porque o mundo pode ser bom e ruim, além de poder ser a mesma coisa ao mesmo tempo. É que depois que surtos passam eu por vezes consigo pensar sobre eles, ainda que não seja possível ainda controlar. Eu vi Camila querer me ajudar e vi que ela se irritou por eu não conseguir colaborar.

Tenho muito disso a vida toda para de repente não ser compreensiva. Eu sei que sou difícil. Sei que estão tentando me consertar. Tenho ciência de que as pessoas não conseguem lidar comigo e que eu posso assustá-las com segredos de algo horrível, que é o que sou.

E sei bem que errei com Camila. Eu quis e quero ela na minha vida, mas não posso entregar o que sou e isso não é justo. É fazer com que lide com minha bagunça sem saber porquê eu estou machucando-a.

Onde isso é justo?

O problema era que Camila, com todo seu poder inconsciente, me fazia flutuar em sua direção e me entregar. Dar partes de mim é confuso até para mim. Como alguém pode gostar de quem não conhece?

Eu gostava de Camila porque ela era previsivelmente normal, e com isso quero dizer que ela era extraordinariamente bonita, inteligente e influente. Mas era normal. Seu cheiro, aquele que perfume nenhum cobre, é de normalidade. A normalidade e fragilidade e poder que isso era me dava segurança porque nunca antes o normal quis saber tanto assim de mim. Eu nunca tive a atenção do normal nem conscientemente de inconscientemente.

Camila é tudo o que eu desejava em minha vida, e sem acaso algum, como já entendi, eu a escolhi. E escolheria mil vezes mais. Escolheria tanto que todas as partes de mim que doem e se rompem para que entre em mim e me habite me rasgaria mais e me inflaria mais para caber a crescente que tinha para dar. Meus ossos e músculos gritavam por ela, e eu nem sabia que ossos podiam fazer tanto escândalo ecoando em meu coração vazio.

Eu nunca amei ninguém, mas acho que...

A porta foi aberta. Dinah e Normani se beijavam ardentemente. Eu nunca vi pessoas reais se beijarem assim. Suas mãos estavam em tudo e elas eram a mesma coisa. Eu ouvia os suspiros e suas peles se misturando. Dinah e Normani eram uma só, e as invejei por se amarem como ninguém me amaria um dia.

Não vou ficar me lamentando. Vou pular para o quão engraçada foi a reação de Camila quando se aproximaram.

— Ei, eu estou aqui! – disse alto, assustando as duas.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora