dois - repetidamente

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CONTEÚDO SENSÍVEL

Não escrevo nada explícito, mas obviamente por ser narrado pela vítima é mais próximo que em outra pessoa. São algumas palavras e insinuações que deixam claro o que aconteceu e que vocês sabem bem, então é pesado.

Não tem correspondente a estranhamente.

.

Diz Aristóteles que nós somos aquilo que fazemos repetidamente e que excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito. Eu era excelente em ser errada. Meu dia a dia repetitivo sempre provava isso.

Ele veio cedo todos os dias porque começávamos cedo todos os dias. Simples assim.

Estava acostumada a despertar bem mais cedo para tomar café da manhã. Apenas algo muito bom para me fazer aguentar um dia tão intenso.

Eu estava ansiosa para as aulas. Queria tanto fazer algo que amo, quanto diminuir os turnos que estava lá.

Sempre tomo café da manhã sozinha. Aristóteles ficaria confuso sobre mim, pois, segundo ele, o homem solitário é uma besta ou um deus. Eu só gostava de ficar sozinha e comer sozinha. Era sempre assim. Bom, não sempre, mas desde que posso. Isso porque meus pais não gostam do jeito que como. Por isso, no maior silêncio do mundo, me esquivei até a cozinha, peguei minha tigela e meus morangos.

A textura dos morangos é incrível, não é? Sentir seus poros tinha algo completamente diferente do resto das coisas do mundo. Eu comia sozinha porque gosto de sentir sua textura por muito tempo, e meus pais se irritavam.

— Lauren, isso é nojento! – me diziam, e foi por isso que me escondi. Não era nojento para mim, então não era um problema que vissem.

Cinco voltas, foi o limite que impus para não ficar o dia todo ali e acabar sendo pega no meu momento. Por isso quando terminei e tudo na tigela já estava comido, finalmente fui me arrumar.

Se quer saber, depois de Camila, eu apenas vestia qualquer coisa e me protegia com o moletom de unicórnio. Eu sabia que quando o vestisse de novo, tudo ficaria bem.

Esperei na sala e ele veio como sempre. Levantei e o acompanhei, entrando no carro e me deixando para trás.

— Não vai mais tirar essa coisa? – ouvi Peter do banco da frente.

Essa coisa.

Essa coisa era um lembrete de segurança, então não. E não me importo.

— Vamos ficar até seis horas da tarde – explicou – te reservei pelos dois turnos, estamos precisando. Apenas seja boazinha e faça o que mandarem.

Não respondi. Olhei para minhas mãos. Pintei as unhas com tinta castanha essa semana. Estava saindo quase totalmente porque não era esmalte. Eu não tinha essas coisas.

De qualquer forma, eu podia olhar os castanhos e quase vê-la. Não conseguia ver Camila tanto quanto queria, mas podia ter sua intensidade acalentadora perto de mim mesmo quando não pudesse usar o moletom.

— Está entendendo, Lauren?! – me assustei com seu estresse – essa é a quarta vez que pergunto. Sabe que não gosto de ficar esperando suas bobagens.

— Estou – repeti sem fazer a menor ideia do que ele estava falando.

Quando eu chegasse em casa, não precisaria pensar sobre nada disso. Eu poderia ouvir as meninas rindo e conversando do lado de fora do meu quarto e poderia mergulhar nos meus quadros e fotografias secretas.

Eu estava obcecada.

Estava errada, mas não me importava sobre o quão errado era estar obcecada por uma pessoa. Não estava fazendo mal a ninguém, pelo contrário. Me ajudava a resistir.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora