trinta - intensamente

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Capítulo TRINTA E SETE de estranhamente.

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Só quando sentiu intensamente que um dia ela desapareceria, é que pôde entender exatamente o quanto a vida era infinitamente valiosa. E quanto maior e mais clara era uma face da moeda, tanto maior e mais clara se tornava a outra. Vida e morte eram os dois lados de uma mesma coisa, Jostein Gaarder disse em "O mundo de Sofia", parafraseando como tudo estava intenso por aqui. Eu tive medo de dormir e ela não estar ali quando eu acordasse. Sei que tudo sobre nós era milhares de vezes mais valioso. Sei que tudo estava se encaminhando para que ficasse bem, e com isso chegaríamos perto do fim. Só havia uma coisa...

Camila. Ali estava Camila e sua inquietude intensa.

Eu sabia que ela me observava, mas Camila era maluca, por isso me apaixonei por ela. E eu gostava que me olhasse, era vaidoso de minha parte, mas quem não gostaria de ter o amor te velando com tanto zelo? Sabia que ela tinha medo de me perder e que havia muito em mim que tinha mudado nesse tempo em que a distância nos cobriu, mas eu não tinha medo. Nós éramos além das janelas da aparência, éramos aquela que se abria para enxergar a alma que ela me deu e que nela sempre existia. Vivia para atingir a profundidade mais inexorável, utilizando todas as palavras difíceis e claras porque não havia nenhuma capaz de descrever o que acontece entre nós duas.

Camila também não estava muito bem. Encontrei antidepressivos no armário e ela nem os mencionou. Também estava mais magra e parecia mais cansada. Ainda assim não dormia, o que era muito penoso. Ela precisava ficar bem, e eu sabia o que a ajudaria, por isso aproximei meu corpo do dela, sentindo sua respiração ser cortada e seu próprio corpo se afastar em um respeito muito bonito que apenas Camila era capaz de fazer consciente e inconscientemente.

Entretanto, não era isso que eu queria. Ela devia ficar perto, por isso tentei me aproximar enquanto ela fugia e Chocolate resmungava. Ela já devia estar na ponta da cama, mas não se deu conta de que eu estava me aproximando porque eu queria ficar perto dela, o que tornava Camila um tanto lenta. A lentidão nem sempre é ruim, porém muitas vezes é preenchido pelo que me traz uma impaciência resgatada do mais íntimo que vivia dentro de mim e me devorava de irritação. Eu a entendia, mas queria que parasse de ser tão assim pelo menos naquele momento em que eu tentava ajudá-la.

— Cam-i-la, você vai cair – avisei.

— Está acordada? - pareceu surpresa.

É óbvio? A não ser que eu falasse dormindo, mas não importa. Eu só queria que ela ficasse pertinho e não se machucasse. Queria que sentisse meu amor explosivo e enviar as estrelas que viviam em meu estômago diretamente para ela com o intuito de que pudesse admirá-las tanto quanto eu em minhas emoções e sentimentos tão intrusivos e bem-vindos. E Camila, veja a razão que Jostein Gaarder tem quando questiona acerca de para que se deveria, em meio à grande ausência de limites, colocar a todo custo um limite qualquer? É disso que se trata, não vê? O caminho está livre, a dor era nada comparado ao que eu queria lhe dar.

— Fica quieta. Pertinho. Vem cá. Pertinho... Pertinho... - foi o que consegui dizer em meio ao meu descanso.

Camila se aproximou de mim como eu queria e ficou quieta. Esperava eu que sentindo tudo o que eu queria passar para seu interior e repousando de sua insistência em não descansar a mente de toda esse zelo de fazer com que todas as pessoas estivessem bem. Ela não podia salvar o mundo, mas precisava salvar a ela mesma imediatamente. Sua intensidade um dia a destruiria, e ela precisava urgentemente voltá-la para um amor que a mergulhasse em se amar e admitir que também precisava parar e ser cuidada.

Tudo se tornou silencioso e morno, o que desejei que fosse seu sono tranquilo até que Chocolate começasse a miar sem parar. Aguardei que Camila se manifestasse em cuidar dele porque eu estava com dor, mas ela não fez nada, por isso intervi mesmo sabendo que ela também precisava descansar:

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora