quatorze - sagazmente

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Capítulo 14 de estranhamente.

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Se for para falar de sagacidade, deixo entrar Johann Goethe e seu dizer que só os homens sagazmente ativos, que conhecem as suas aptidões e as usam com medida e sensatez, poderão fazer avançar substancialmente o mundo. Não talvez no mundo em geral, mas em meu mundo, com certeza. Aposte tudo em mim, menos que sou completamente tola. Esse é um erro que leva ao erro mais errôneo ainda. Essa proeza de descrição vem de mim, não de Goethe. Não sei se conseguiria me aprofundar em palavras como ele, ou se ele conseguiria se expressar como eu, então que importa? Nada.

Foi um tempo feliz estar com Camila pele na pele. Estranhamente contraditório ao que eu era, meu renascer em consciência me deu o prazer de ter uma segurança em que me agarrar. Pensando em minha obsessão primária por Camila, fora surpreendentemente e deliciosamente um passo que me custou a mim mesma e que eu estava satisfeita em dar. Aos meus dizeres, entretanto, recordo-me que Goethe riria profundamente de minhas palavras bobas ao me entregar suas próprias palavras de que o amor e o desejo são as asas do espírito das grandes façanhas. Sim, devo concordar, embora a noção de espírito ainda fosse um tanto vaga e confusa. A alma e o espírito eram a mesma coisa? O que eram, afinal?

Não quero saber. Não com a força que minha mente poderia desejar. Era uma existência simples e rasa da qual eu não dependia nem vivia no momento. O momento era o calor em minha pele que tanto devastava meu âmago quando o aquecia confortavelmente. Talvez eu nem as possuísse, em verdade. Alma e espírito não são compreensíveis, e citando Goethe tão tenramente, não se possui o que não se compreende.

Não importa. Eu não precisava falar sobre isso ou sobre qualquer outra coisa. Mas a anatomia é fascinante, não é? Não mudei de assunto, mas reflito sobre como o corpo humano é feito de algo além de palavras e dor. Eu sempre volto para a dor porque é algo que conheço e compreendo. É o que mais possuo em minha carga sobre meus ombros. Mas a anatomia, na verdade, explicava muito do início ao fim. O fim me interessa mais que o início, porque tudo o que termina de repente se tornara a obsessão do momento, uma vez que Camila deixou o lugar vago para ocupar o que as pessoas chamariam literariamente de um espaço em meu coração. Meu coração, feito de tanto sangue e qualquer outra coisa não suportaria algo tão grandioso e intenso quanto Camila. Ele sucumbiria e a derramaria por todo o meu corpo, por isso eu já a entreguei com carinho a tudo o que eu sou, abrindo minha pele, meus músculos, meus ossos, meu imaginário e o meu real só para que ela pudesse descansar e me abraçar enquanto luto para estar viva e desejo que alguns outros não.

Sou uma pessoa tremendamente obcecada. Se eu não tiver uma obsessão, deixo de ser eu para ser um não-ser. Não sou. Simplesmente não sou. Simplesmente a anatomia real poderia me descrever em seu monte de pele e estômago me contendo e me alimentando. Apenas isso, fim.

O início está nos braços de Camila nos meus.

— Vamos para casa – disse de repente – não vou ter mais aulas hoje. Podemos almoçar e... não sei. O que quiser.

A encarei me perguntando o que seria "o que quiser". Eu escolho? Simples assim? Mas... o que Camila queria? Como eu poderia saber o que ela queria para que façamos porque... eu creio que quero o que ela quer. Ou quero que ela queira o que eu quero, só não sei como chegar nisso então... sim, preciso perguntar.

— O que você quer?

— Eu fico feliz em ficar perto de você – foi mais rápida que a capacidade de meus pensamentos, o que não era novidade em se tratar de Camila, mas eu sempre fui sagaz, então podia deduzir por compromissos gerais de namorados que vemos em livros e filmes. Eu sei o que eles fazem, então...

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