vinte e três - vivamente

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Capítulo 23 de estranhamente.

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Camila, eu não lhe pediria tão vivamente pra recuperar a liberdade se lhe custasse alguma coisa. Não existe nada mais caro para o homem do que readquirir o seu direito natural e, por assim dizer, de animal voltar a ser homem. Cito Étienne de La Boétie porque preciso esclarecer isso, tamanhas vezes em que menciono sobre estar viva. É que é certo que nunca o estive até esse ponto. Cito porque não colocaria ninguém em perigo no meio de minhas tramas ainda que esteja com a vida sendo injetada dentro de mim. A vida é assim, surge repentinamente, certo? Era meu dever segurá-la, e era isso que estava fazendo.

Ignorei o máximo que consegui as investidas de Peter. Ele ficara obviamente irritado com meu sumiço e eu sabia disso, só não me importava. Quero dizer, Peter era só um homem que, apesar de destruir minha vida constantemente, não podia mais retirar de mim a vivacidade da liberdade que tanto eu tinha quanto eu conquistaria. É importante dizer que na minha fuga com Camila eu sequer pensara na morte e em assassinar alguém, mas após isso, a urgência de realizar meus planos apenas cresceu, inchando e inflando como uma doença necessária.

A ira de Peter não foi nada. A brutalidade que me submeteram como mensagem de obediência também não. Fiz tudo o que queriam por todos aqueles dias sem reclamar e lamentar para mim porque a vida longe dali valia a pena. Que me machucassem. Tudo aquilo chegaria ao fim assim que eu conseguisse me resolver. Eu não estava mesmo me importando, com toda a sinceridade de meu coração, passar por aquilo era nada comparado com viver. Todos ali me odiavam, mas fora dali eu tinha amor.

Isso sim era existir com toda força e isso sim me fazia querer tanto viver. Talvez fosse chocante para qualquer um o quanto eu não me importava por toda essa sensação de estar viva, toda essa certeza de ser amada e, acima de tudo, de que tudo acabaria. Étienne já dizia que só os covardes e os preguiçosos não sabem suportar o mal nem recuperar o bem. Limitam-se a desejá-lo e a energia de sua pretensão lhes é tirada por sua própria covardia. Eu com toda certeza não era mais covarde. Que encarassem minha ira um dia assim como eu encarava a deles.

Foi por isso que não me importei novamente e nem pensei com amargor em castigo quando encontrei aquele desejo gigantesco brilhando na tela de meu telefone. Eu quis e eu conseguiria para mim. Nisso, corri em busca de Camila, tão excitada com a ideia de fugir novamente que meus olhos brilhavam a ponto de atrapalhar minha visão e minha garganta tomar liderança em empurrar os chamamentos para fora de mim.

— Cam-i-la! Cam-i-la! Camila! – chamei, ela olhando com as sobrancelhas erguidas eu me aproximar.

— Ei, você conseguiu dizer meu nome – notou.

E daí? Tanto faz.

— Não importa! – eu disse em toda minha pressa – olha!

Mostrei a ela a notícia do parque de diversões que estaria aberto na cidade porque eu queria tanto, mas tanto ir que meu estômago parecia gargalhar.

— Oh! Legal! – sorriu. Legal? Era mais que legal! Era incrível, emocionante, paradisíaco, vivaz, encantador, excitante, enlouquecedor, normal. E, de repente, tão importante para mim quanto respirar. Ou melhor, quanto beijar Camila. Pronto, comparação forte o suficiente.

— O que é legal? – Normani perguntou.

Olhei ao redor notando que as meninas estavam todas ali. Allyson concentrada no que eu tinha certeza ser parte de sua investigação e Normani e Dinah grudadas uma com a outra de jeito que quase me senti tentada a largar tudo e ficar assim com Camila. Fazia um tempinho porque não me sentia muito bem que ela visse sinais de violência em mim. Eu não achava justo que isso maculasse nossa vivência, por isso me sentia melhor longe. Era mais por isso que pela dor do toque que ela conseguia driblar tão bem em minha mente. Eu queria seu conforto, mas também queria muito conhecer o parque.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora