dezesseis - naturalmente

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Capítulo 16 de estranhamente.

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Norman Vincent Peale, um escritor pleno de teorias sobre pensamento positivo diz que o pensamento positivo pode vir naturalmente para alguns, mas também pode ser aprendido e cultivado. Mude seus pensamentos e você mudará seu mundo. E cito isso porque ao me lembrar de suas palavras percebi que era o que deveria fazer, ou ao menos tentar, uma vez que minha vida atual estava cercada de todos os tipos de tentativas. Assim, meu primeiro passo fora simplesmente ignorar toda a reação vergonhosa e necessitada que tive naquele primeiro dia de consciência tomada. Em vez disso, foquei na parte boa que era poder abraçá-la e beijá-la. Ficar em seus braços era tudo o que eu poderia fazer de bom, deixando de lado tudo o que me rasgava e desmontava para me aquecer de bondade e segurança que eram as melhores coisas da vida.

Eu tinha amor, o que mais poderia exigir desse mundo horroroso que enfrentava? Amor, pizza, morangos. E Camila. Se eu os tinha, estava bem. Se estava bem, nada estava errado. Pensamento positivo, isso aí. Uma boa aprendiz de Peale segundo eu mesma. E eu não precisava de nada mais para definir isso, estava em minhas carnes sacudindo e implorando por misericórdia. Estava em minhas lembranças roubadas. Estava nos momentos que eu tinha e com isso deixava penetrar em minha pele como os raios de sol em meus poros.

Fora isso, cogitei que a minha melhor saída era manter meus pensamentos positivos sim, mas na parte em que devoro a ideia da morte de quem me fez mal. Peter encabeçava meu horror, porque embora ele nunca tenha me tocado, fora quem me colocou naquela situação, quem me mantinha lá todos os dias consciente do que acontecia comigo. Eu queria queimar todo aquele lugar, ver as labaredas lambendo seus corpos odiáveis enquanto bebia da verdade que ninguém podia me tirar, que era a liberdade que me causaria vê-los ali, coisa que me impedia mesmo de pensar em não ser presa. O que importava? Eu só queria que sofressem e nunca mais pudessem tocar ninguém como me tocavam, suas mãos e corpos asquerosos ardendo no fim nada misericordioso porque àquela altura era idiotice crer em alguma misericórdia que não era aplicada a mim, que por certeza nunca fizera nada de tão ruim que merecesse estar ali.

Se eu não tinha ninguém, eles que se reunissem no inferno que eu montaria especialmente para o teatro do fim de suas vidas desprezíveis. Mas não, haviam crianças em todo aquele lugar, eu jamais poderia tocar em todos eles ali. Eu também era presa fácil sozinha, então que acabasse com eles um a um. Como? Eu não sei, mas vou descobrir.

Foi com extrema felicidade que recebi aquela mensagem. Eu nem precisei pensar muito na morte até aquele segundo, as letras na tela brilhando abaixo do contato de Peter. Eu não precisaria ir. Meus pensamentos positivos estavam dando resultado, Peale? Em breve eu estaria livre? Decerto que nessa imprevisibilidade optei simplesmente por gastar meu tempo com Camila. Ela ficaria feliz por eu estar em casa, sei porque por mais que tentasse agir naturalmente, Camila não estava acostumada a ter essa distância de mim depois de tudo o que aconteceu entre nós. Meu silêncio nos matava, mas meu carinho, a proximidade física de conforto que trocávamos, nos renascia nos braços uma da outra. Estávamos vivas.

Pela primeira vez fiquei ansiosa para ver Peter. Até tentei me conter, mas minha agitação era incontestável. É preciso dizer que provavelmente ele nunca tinha me visto assim. Provavelmente, não. Com certeza. Essa parte de mim era algo que não pertencia a ninguém, apenas existia mendigando sobrevivência e comemorando quaisquer pedaços de pão que recebesse. Não posso me julgar, o que é merecido deve sempre ser louvado.

Corri a sua procura ao chegar em casa e a realidade de estarmos livres aquele dia me abateu com uma alegria que não estava acostumada a sentir, e com isso, tudo o que eu era se sacudiu e buscou abrigo temendo uma explosão que na verdade não aconteceu. Eu estava animada, isso era estranho. Há tempos esquecera o que era isso.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora