vinte e um - subitamente

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Capítulo VINTE E DOIS parte 1

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Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será... Camila colocou Rubem Alves entre nós mesmo sem saber, e aí eu explico: quando despertei do meu sono noturno, Camila me observava como se nunca mais fosse me ver se piscasse e precisava desesperadamente decorar como eu me parecia. No meio de tudo, entre nossos desejos e cumprimentos de um bom dia, ela me surgiu com a proposta: fugirmos de nossas vidas para fazer coisas normais.

Logicamente nem hesitei em concordar que o fizéssemos, ainda que o súbito fosse perturbador. E por que não hesitei mesmo com esse caos? Era Camila e Camila era segura. Para estar com ela eu não me importaria com quaisquer punições que porventura surgisse para mim no futuro tão próximo. Tudo o que eu queria era ter mais dela e sua ideia de normalidade, sobretudo porque essa era minha luta. Eu era punida todos os dias desde antes de saber o que era punições, logo, não havia nada que pudesse ser pior do que minha vida era todos os dias.

— Eu quero sair com você - Camila disse - sumir um pouco e fazer coisas que as pessoas normalmente fazem como ir ao parque comer algodão-doce, ao cinema ou comer fora. O que quiser experimentar. Um dia todo se você conseguir, mas se não, o quanto puder. Vamos viver uma aventura, mas uma aventura segura porque vou estar com você e fazer coisas que sejam mesmo boas.

Eu não tinha muita certeza de que gostaria de todas as coisas, mas eu sabia que eram passagens corriqueiras na vida de quem não vive cerrada dentro de uma bolha que protegia as pessoas de mim. Se eu podia sair e fazer isso, na certeza de que Camila estaria ali para cuidar de mim quando tudo estivesse assustador demais, então eu iria sem pensar mais nenhum segundo breve e abraçaria essa ansiedade que chegara me mordiscando como um monstrinho ameaçador que, contrariando tudo, decidi adotar ao menos por um dia.

— Podemos ir agora? – perguntei enquanto alimentava aquela parte de mim que poucas vezes ousava acordar, mas que se espreguiçou e me cumprimentou com um beijinho na testa em forma de proteção, me acolhendo tanto que apenas me joguei de corpo e alma na certeza de que ficaria mesmo bem, eu só precisava ir em frente.

— Vista algo confortável. Algo que não precisa ser o que as pessoas vão gostar de ver, mas algo que você consiga usar o dia todo na rua – ela me disse e sinalizei que entendi antes de levantar e ir ao quarto onde estavam meus pertences. 

Minhas mãos tremiam de ansiedade, mas consegui me arrumar e seguir o conselho de Camila com roupas leves. Short e regata, coisas que eu tinha no guarda-roupas, mas nunca usava porque até sair de casa eu simplesmente não saía de casa. Depois disso, ignorando agora o fato de nunca sair de casa, saí e fui comer meus morangos no ritual que nesse momento me remetia a um "tudo vai dar certo", já que tinha essa rotina que não fora quebrada.

Minutos depois, ali estava Camila em peças parecidas com as minhas me dando certeza de que interpretei corretamente os objetivos e instruções. Sei que ela disse para vestir o que eu quisesse e me sentisse confortável, mas eu queria muita coisa e me sentia confortável com outras tantas, como usar só uma camiseta ou minha blusa lã ou meu moletom de unicórnio e não tenho muita certeza de que seria adequado. Eu não sei. As pessoas são estranhas e a vida é estranha. Eu não queria que ninguém me visse intimamente porque já tinha muito disso, mas também era minha ideia máxima de conforto. Onde todas as coisas se encaixam?

Acho que as pessoas não estão acostumadas com uma saída mais desnuda, porém não tenho certeza. Nunca saí de casa para objetivos de lazer, nem prestei atenção em ninguém que não fosse Camila e a desprezível da tal Dakota para conferir se ela era tudo mesmo ou apenas delírio de ser bonita. Não era mais bonita que eu. É só isso que tenho a dizer nesse parágrafo.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora