vinte e quatro - inevitavelmente

80 12 2
                                    

Capítulo 24 de estranhamente.

.

A vida é feita de escolhas. Quando você dá um passo à frente, inevitavelmente alguma coisa fica para trás, Caio Fernando Abreu representou minha vida com essas simples sentenças porque eu tinha feito minhas escolhas e deixado coisas que não deveria para trás, mas era algo inevitável em minhas condições.

Peter ficara furioso comigo após minha segunda fuga dizendo que meus pais ficariam sabendo de minha desobediência. Eu não me importei porque a emoção era maior, mas Camila se desesperou com algum avermelhar em meu rosto que fiz questão de mentir dizendo que era comum de caminhar ao sol. Ela ficou com raiva e de repente parecia que todo mundo estava com raiva de mim ou por minha causa. Meu contentamento fora só que ela não se afastou, pelo contrário, entrou em um exaspero que jogara uma rede de proteção em mim, que tentei me afastar ao máximo de seus olhos por alguns dias, quando os ataques diminuíram diante da aparência permanente, burra e denunciativa de seus atos. Foi quando voltei, me aconchegando em seus braços com sua crença de que as coisas tinham melhorado.

Não tinham, e nas circunstâncias eu sabia que era só uma questão de tempo para...

- Senhorita Jauregui! - levei a chamada que me assustou. Não deveria ter me assustado porque eu sabia que viria, visto que estávamos ao fim do ano letivo e as notas estavam sendo conferidas a cada um que era chamado a mesa da professora - Senhorita Jauregui, venha até aqui!

Meu estômago embrulhou e me senti enjoada, nervosa, ansiosa, destruidora.

- Vai logo! - uma garota me cutucou e automaticamente reagi a dor com um grito porque eu era inevitavelmente burra e sensível - ei!

- Senhorita Jauregui! - ouvi a professora novamente, mas não a vi por ter tantas lágrimas em meus olhos, sua voz estridente... - não adianta chorar, se você não fez nada, como bem sabe, não tem nota para passar. Não posso fazer nada sobre isso.

- Não! - meu desespero me escapou. Eu não podia escapar de nada disso, mas era aterrorizante ter em palavras, sua voz agora tão próxima machucando meus ouvidos e por consequência rasgando todo o meu corpo permitindo que me ferisse mais profundamente do que imaginei ser capaz de acontecer.

- Sim! - ela retrucou e cobri minhas orelhas para abafar ainda mais sua voz. Teria arrancado as duas se pudesse, mas minhas mãos não conseguiram, minhas unhas eram fracas demais e nada em mim parecia controlável porque eu só queria sentir aquela dor ao mesmo tempo em que queria que fosse embora - e eu exijo que...

- Sai! - implorei quando a vi se aproximar ameaçadoramente, sentindo mais medo que alguma vez, ao menos em meio aquele desespero, eu havia sentido em toda minha vida porque eu sabia o que esse momento queria dizer e modificar em minha vida, o ruído de móveis caindo estridentemente me ferindo com ácido em minha pele fria e suada, me dissolvendo em nada, me matando.

- Segurem-na! - mãos me mataram em torno de mim, me prendendo porque eu era a ameaça ali, o monstro que não conseguia sequer enxergar... - chamem o professor Evans na sala dos professores, avise que temos um problema.

Um problema... Tentei me soltar para fugir e não machucar ninguém além de mim, que já estava condenada, mas me apertaram tanto que respirar fora mesmo impossível. Sentia minha garganta arder e meu coração saltar de minha boca e fugir. Não demoraria muito tempo e eu sequer estaria ali, então eu estava apenas perdendo meu tempo me desesperando porque inevitavelmente eu seria arrancada do mundo e nunca mais o teria novamente. Cito aqui a longa sentença de Caio Fernando Abreu porque me cabe: Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão. Era eu, puramente eu e o que me havia por dentro. Eu não entendo nada, mas entendo de dor, sobretudo quando ouvi a voz conhecida:

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora